Publicado por Wagner Francesco
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Por Aury Lopes Jr e Alexandre Morais da Rosa
Há coisas que simplesmente não sabemos que existem, mas existem. E o leitor pode conhecer a importância do controle de convencionalidade, tese apresentada por alguns colegas, dentre eles Valério Mazzuoli. Por isso na primeira coluna do ano partimos de uma sugestão de livro: O Devido Processo Penal: abordagem conforme aConstituição Federal e o Pacto de São José da Costa Rica, de Nereu José Giacomolli, editora Atlas. O autor é professor de Processo Penal (PUC-RS) e desembargador do TJ-RS, além de um grande cara.
Todos nós ouvimos falar em maior ou menor grau de devido processo legal e muitas vezes ficamos impressionados com a nossa ignorância em relação ao Sistema de Proteção dos Direitos Humanos existente no plano supranacional e que condenou o Brasil, e países vizinhos, diversas vezes. Daí que a leitura da obra mostra que diversos países foram obrigados a adequar o sistema processual penal às diretrizes de Direitos Humanos. E boa parte do senso comum teórico dos juristas não sabe disso.
Rui Cunha Martins, professor de Coimbra, no prefácio, bem resumiu as razões para se ler o trabalho de Nereu: “A primeira razão é a competência do autor. A segunda é a manifesta importância do tema na conjuntura atual. A terceira é a pertinente estratégia de estruturação da obra, aqui se incluindo o grau de inovação”.
E aqui na terceira razão sublinhada, cabe dizer que o livro apresenta a compreensão do Tribunal Penal Internacional e do Sistema Interamericano (CADH, CIDH), em pleno vigor no Brasil (Decreto Legislativo 27, de 28.05.1992 e Decreto Executivo 678, de 6 de novembro de 1992, bem assim Decreto Legislativo 89, de 3 de dezembro de 1998), proporcionando ao leitor os fundamentos dós órgãos internacionais. Aponta também os cuidados para admissibilidade da pretensão, notadamente o esgotamento das vias internas.
No que toca ao processo penal brasileiro, por exemplo, partindo da necessidade de humanização das práticas internas, narra a análise do comportamento do Estado brasileiro nos casos Damião Ximenes Lopes, Maria da Penha, Lund, Garibaldi, Escher e outros. E conhecer os fundamentos das condenações, especialmente o caso Maria da Penha, pode fazer ver a importância dos Direitos Humanos.
Exemplificativamente a corte já decidiu que:
a) nos casos de interceptação telefônica o acusado precisa ter ciência de toda a conversação antes da eliminação da parte omitida pela acusação; que as regras restritivas da privacidade devem ser compreendidas pelo viés da proporcionalidade e que a polícia militar não pode requerer, dado que não é órgão com atribuição para tanto;
b) a presunção de inocência, segundo Giacomolli, na linha adotada pelo Supremo Tribunal Federal, rejeita a prisão antecipadora da pena e desprovida de razões concretas (RHC 111.327), embora boa parte da magistratura utilize a prisão como mecanismo de controle social imediato ou mesmo para pressão psicológica (delata que te concedo benefícios);
c) o acusado possui o direito de estar presente nos julgamentos e que alegações burocráticas não podem impedir o direito de estar presente e se confrontar com a prova que lhe pode causar a condenação;
d) a defesa deve ter a última palavra nos julgamentos, sendo ilegal a manifestação do Ministério Público após a sustentação oral, salvo por questão de ordem. Se a acusação deseja sustentar deve fazer antes.
Assim é que o livro discorre sobre a compreensão da Comissão e da Corte Interamericana de Direitos Humanos sobre o estado de inocência; ampla defesa; contraditório; direito à prova; da não produção de prova contra si mesmo e direito ao silêncio; fundamentação das decisões; imparcialidade; juiz natural; acordos no processo penal; publicidade; sigilo; prazo razoável; prisão cautelar e direito ao recurso. Em todos os temas há indicação de julgamentos pertinentes à compreensão da CIDH.
A relevância e atualidade do livro são impressionantes. De um lado descreve o conteúdo e fundamentos das decisões da Corte Interamericana e, por outro, demonstra como o processo penal brasileiro está em desconformidade com a cláusula do devido processo legal. Aliás, conforme temos sustentado nos nossos escritos, cada vez mais se mostra importante entender que o Brasil assumiu compromissos externos de cumprimento dos Direitos Humanos. Aos que alegam que só defendemos “bandidos”, a criação dos juizados de violência doméstica foi impulsionada pela decisão da CIDH. A existência efetiva de um sistema de controle do poder exercido em face de cada um de nós é condição de possibilidade à implementação do devido processo legal substancial.
Esperamos sinceramente continuar repensando o processo penal brasileiro em 2015, quem sabe, a partir do devido processo legal substancial. Precisamos ampliar nossos horizontes democráticos, como diz Giacomolli:
“O existir, mesmo na esfera superior da Constituição, a latere da convencionalidade, em determinados casos, mostra-se insuficiente. Todos os poderes e a cidadania se encontram sob a direção fundamental constitucional, mas nem sempre em uma completude democrática, embora represente, ao que aqui é objeto de enfrentamento, um significativo avançar no direcionamento do devido processo constitucional. Esse adelante encontra forte resistência em significativa parcela dos sujeitos processuais oficiais, na doutrina e na jurisprudência, pois forjados na cultura autoritária, burocratizada a manu militari, inquisitorial e na crença regeneradora da pena e do salvamento pelo processo penal”.
Tenhamos sorte em 2015. Obrigado pela parceria e leitura da coluna Limite Penal.
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