Ricardo Bastos/Hoje em Dia
Bandidagem não dá trégua a cidades mineiras
Moradora de Santa Luzia optou por um cão de guarda para resguardar a casa


Assaltos à mão armada, a qualquer hora do dia, espalham medo entre moradores das maiores cidades de Minas. Com pouco policiamento, a bandidagem age livremente colocando as estatísticas nas alturas. Nada menos que 12 dos 13 municípios do Estado com mais de 200 mil habitantes registraram aumento no número de crimes violentos, de janeiro a setembro, na comparação com igual período de 2014.

No topo do ranking da violência estão Ribeirão das Neves, com salto de 61%, Santa Luzia (54%) e Montes Claros (38,3%). Homicídio, sequestro, extorsão mediante sequestro, cárcere privado, roubo e estupro integram a lista. Majoritariamente, porém, o salto nas ocorrências se deve aos assaltos. Em mais de 80% dos casos, o bandido usa arma de fogo para render a vítima.

Tiros

A situação é mais delicada em Santa Luzia. Antes restritos a bairros da periferia, os assaltos têm migrado para o bucólico centro histórico. Só na última semana, foram três roubos e até tiroteio. No total, foram 1.257 crimes em nove meses – média de quatro vítimas a cada 24 horas. No ano passado, 814. O número, no entanto, não reflete a realidade. Muitas pessoas, desacreditadas com a polícia, sequer prestam queixa.

“Para que? Minha prima foi a uma delegacia e esperou mais de três horas para ser atendida. Os assaltantes perderam o respeito pela polícia”, disse uma estudante, que pediu para não ser identificada. Ela teve o celular e a bolsa roubados por dois homens. “Na semana passada, por volta das 7h, levaram a moto de uma moça que mora aqui perto. Estamos completamente desprotegidos. Não se vê uma única viatura fazendo patrulhamento”.

A onda de violência obriga moradores a mudar hábitos. Basta um rápido passeio pela rua Direita, principal via do centro histórico, para ver quase todos os centenários casarões coloniais de janelas lacradas. Ir a um restaurante ou sair para um aniversário são lazeres que não fazem mais parte da vida de algumas famílias. As pessoas não arredam o pé de casa. Câmeras e alarmes têm sido instalados e alguns não abrem mão de um cachorro de grande porte.

Em alguns casos, os marginais sequer se preocupam em esconder o rosto nos ataques. Em um deles, o vendedor Rodrigo Conrado, de 32 anos, reagiu após a irmã ter o celular roubado. O bandido deu dois tiros contra o rapaz, mas, por sorte, as balas não o atingiram. “Agi por impulso. Sei que foi um risco, mas está muito difícil a situação na cidade”, disse.

Se durante o dia há risco no centro histórico, à noite a sensação de insegurança é ainda pior. Onze dos cerca de 50 postes coloniais da rua estão apagados ou danificados. “É uma vergonha”, resume a moradora Vilia Ruvzene, que se apega ao cão labrador para ajudar na segurança da família.

Segundo polícia, maioria das ocorrências envolve jovens moradores de ocupações


Jovens na faixa etária dos 16 aos 27 anos, envolvidos com o tráfico de drogas e, em sua maioria, moradores de ocupações irregulares próximas à cidade, são os principais responsáveis pelos delitos. A análise é da Polícia Civil. Segundo o delegado regional de Santa Luzia, Christian Nunes de Andrade, os agentes trabalham acima do limite devido ao quadro insuficiente.

Ele lembra que a cidade chegou a ter o sistema de monitoramento Olho Vivo, mas o programa está inoperante. “A prevenção é muito falha. O Olho Vivo foi instalado e não funciona. O mesmo vale para os portais de acesso à cidade. Nós temos feito a nossa parte. Trabalhamos muito, mas tudo deságua na polícia. A criminalidade é um problema endêmico e sistêmico. Faltam investimentos em lazer, educação e na família”, afirma Christian Andrade.

Acesso

O acesso a Santa Luzia é possível por três portais instalados nas avenidas Brasil, Beira Rio e das Indústrias. Há anos, as estruturas estão inoperantes: radares desligados, imóveis precários e sem agentes da fiscalização. É raro ver blitze. “Verdadeiros elefantes brancos. Não servem para nada nem intimidam ninguém”, afirma o estudante Vitor Cabral, de 22, morador do bairro Cristina.

A Polícia Militar conta com 589 homens, divididos em cinco turnos. Na ponta do lápis – sem levar em conta os que trabalham nos setores administrativos, férias ou licenças –, são 117 militares para tomar conta de uma cidade de 214 mil habitantes e de outros oito municípios vizinhos.

O major Evair dos Santos de Oliveira, subcomandante do 35° Batalhão diz que a PM tem feito tudo o que pode, mas é preciso a ajuda de outros setores, como a própria comunidade. Segundo ele, bases comunitárias estão sendo criadas em algumas localidades, como o bairro Esplanada. Dez motocicletas para ajudar no patrulhamento acabaram de chegar à corporação.

“As armas de fogo estão chegando com muita facilidade às mãos dos bandidos. É preciso intensificar as ações para impedir a entrada no país” (Major Gilmar Luciano dos Santos, assessor de imprensa da PM)

Segundo a Polícia Civil, operações são feitas em Montes Claros para coibir roubos, crime cada vez mais comum na cidade; em janeiro, Minas deve contratar 580 investigadores aprovados em concurso


PM lamenta o uso rotineiro de arma de fogo e o ‘prende e solta’ resultante da lei antiquada

Em mais de 80% dos assaltos, é comum o uso de revólver. A informação é do assessor de imprensa da Polícia Militar, major Gilmar Luciano dos Santos. Neste ano, acrescenta ele, quatro megaoperações foram feitas. A média foi de 200 apreensões em cada.

O oficial garante que a PM tem atuado, mas é preciso rever toda a legislação brasileira para que se tenha sucesso nas investidas. “Nós prendemos a pessoa e, na operação seguinte, lá está ela novamente. O índice de reincidência é muito alto”. Sobre o efetivo limitado, ele informou que existem dois concursos em andamento. São 1.500 novas vagas para 2016. Até 2018, serão mais 9 mil homens.

A Prefeitura de Santa Luzia não disponibilizou ninguém para falar sobre a onda de violência na cidade. Em nota, limitou-se a informar que mantém convênios de cooperação com os órgãos responsáveis pela segurança pública. “Fornecimento de funcionários para execução de serviços burocráticos e instalações físicas, dentre outros, são partes desses convênios”.

A administração municipal de Ribeirão das Neves também informou que mantém a estrutura das polícias na cidade. Foram implantadas 32 câmeras do programa Olho Vivo nas áreas central de Neves e de Justinópolis. O quadro de servidores da Guarda Municipal foi ampliado.


Bandidagem não dá trégua a cidades mineiras