A onda de lama não poderia ter chegado num momento pior para o Rio Doce. “Nunca vi o rio desse jeito”, é a frase que mais se escutava na última semana dos moradores de Colatina, no norte do Espírito Santo, um dos últimos municípios a serem atingidos pelo vazamento de rejeitos de minérios da Samarco. Estavam se referindo ao tom alaranjado da água, mas não só isso.
Mesmo antes da enxurrada de lama chegar, o estado de saúde do Rio Doce já era precário, resultado de séculos de desmatamento, poluição, assoreamento, pesca predatória e introdução de espécies exóticas, como o dourado e a tilápia, que geram renda para os pescadores, mas ocupam o lugar da fauna nativa. Tudo isso agravado por um cenário de estiagem extrema, que reduziu drasticamente o volume de água no rio e, consequentemente, sua capacidade de diluir a lama que escorreu da mineradora.
“O rio já estava sofrendo”, diz o lavrador Nelson Rocha, morador de Itapina, o distrito mais a oeste de Colatina. Ele culpa o desmatamento das matas ciliares pela secura. “Tem muita nascente aí para recuperar. Se reflorestar a margem do rio, pelo menos uns 100 metros de cada lado, e acabar com essa pesca clandestina a coisa já melhorava, e melhorava muito.”
À medida que a onda de lama se aproxima do mar, pesquisadores e autoridades começam a fazer um discurso semelhante, chamando a atenção para a necessidade de uma restauração em grande escala de toda a bacia hidrográfica do Rio Doce, e não apenas para a remoção da lama.
Paulo Fontes, responsável pela Diretoria de Uso Sustentável da Biodiversidade e Florestas (DBFLO) do Ibama, disse que a recuperação do rio deve levar no mínimo uma década - mas que é possível. No que diz respeito aos peixes, apesar da grande mortandade verificada por onde a enxurrada de lama passou em Minas Gerais, ele ressalta que o Rio Doce tem muitos afluentes, que podem ter funcionado como rota de fuga para os animais, e que poderão repovoar a calha principal do rio uma vez que o impacto maior do desastre tenha se dissipado.
Já no Espírito Santo, a situação é mais complicada, porque são poucos os afluentes. Por isso, nesse trecho do rio, a estratégia emergencial adotada foi a de coletar amostras de espécies nativas antes da chegada da lama e preservá-las em cativeiro.
Dúvidas
As principais dúvidas relacionadas ao impacto ambiental do desastre referem-se à composição química da lama e ao tempo que ela permanecerá no ambiente. Sem esses dois parâmetros, não há como prever quais serão seus efeitos a longo prazo no ecossistema.
As informações iniciais da Samarco eram de que os rejeitos que vazaram da barragem do Fundão, em Mariana, não eram tóxicos. Mas a desconfiança da população é grande, e pesquisadores cobram dados da empresa - e dos órgãos públicos - para comprovar isso.
“É inadmissível que 15 dias após o acidente ainda não tenhamos uma comunicação clara sobre o conteúdo dessa lama”, diz o biólogo Dante Pavan, coordenador do Grupo Independente de Análise de Impacto Ambiental (Giaia), que estava em Colatina na semana passada coletando amostras de água e sedimento do Rio Doce, acompanhado pela reportagem do Estado.
A quantidade de boatos e informações desencontradas que correm pela calha do Rio Doce com a lama é enorme. A previsão inicial, poucos dias após o rompimento da barragem, era de que a lama atingiria Colatina no dia 10, e que o nível do rio subiria até 1 5 metro. Isso não aconteceu.
A mancha de rejeitos só chegou à cidade na manhã do dia 19, e as águas subiram apenas levemente.
Vista da superfície, a mistura já parecia bastante diluída, como uma água barrenta, mas uma massa mais densa de rejeitos poderia estar correndo “por baixo” - apesar de o rio estar extremamente raso por causa da seca. Alguns moradores diziam que a coloração da água era igual à de períodos chuvosos, quando o rio fica naturalmente mais barrento; enquanto outros diziam nunca ter visto nada parecido.
Coleta
Até sexta, não havia registro de mortandade de peixes em Colatina, mas o abastecimento foi suspenso. A Agência Nacional de Águas (ANA) e o Serviço Geológico do Brasil (CPRM) divulgaram resultados da análise de amostras de água e sedimentos do Rio Doce colhidas no dia 14 em quatro pontos próximos do epicentro do desastre.
Os dados, segundo as agências, indicam que as concentrações de metais nesses locais “não diferem significativamente dos resultados colhidos em 2010 e são compatíveis com a resolução Conama 357 (que trata da qualidade da água bruta em rios)”.
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