Na rota da lama, Baixo Guandu é exceção. Primeiro município do Espírito Santo a ser atingido pela onda de rejeitos da mineradora Samarco, que invadiu e praticamente inutilizou o rio Doce, a cidade de pouco mais de 30 mil habitantes conseguiu evitar o desabastecimento de água após a realização de uma obra emergencial em apenas quatro dias.
A intervenção teve a participação de dezenas de moradores voluntários, que trabalharam quase ininterruptamente entre os dias 11 e 15 para construir um sistema provisório de captação no rio Guandu, finalizado e testado no último domingo (16), um dia antes da chegada da lama ao município. Afluente do Doce, o manancial também passa pela cidade, mas não era utilizado para fins de abastecimento.
O cenário de relativa tranquilidade percebido no município, apesar de as águas do rio Doce continuarem barrentas e mal cheirosas, contrasta com o de outras cidades cortadas pelo manancial. Na vizinha Colatina (ES), por exemplo, o fornecimento foi interrompido e a distribuição de água mineral para a população está sendo marcada por longas filas e tumultos.
"Para a gente aqui de Baixo Guandu está tudo normal, porque a gente não está tendo problema com água. Estamos até fornecendo água para Colatina", comenta a recepcionista Eliene Barbosa, 47. O repasse de 100 mil litros diários de água tratada pelo Saae (Serviço Autônomo de Água Esgoto) para a cidade vizinha foi anunciada pela prefeitura guanduense na última sexta-feira (20), mas ainda não começou.
"Estamos prontos. Basta eles virem pegar aqui (com caminhões-pipa)", afirmou o diretor da autarquia, Luciano Magalhães, na tarde deste sábado (21). Também serão entregues 50 mil litros por dia de água mineral fornecidos pela Samarco para Baixo Guandu, que não precisaram ser distribuídos na cidade e estão estocados.
As dimensões das duas cidades também ajudam a explicar o porquê do impacto do desastre ter sido mais devastador em uma do que na outra. Colatina tem pouco mais de 120 mil habitantes, segundo projeção do IBGE para este ano, população quatro vezes maior que a da vizinha e a oitava do Estado.
"Operação de guerra"
Entre o rompimento das barragens da Samarco, em Mariana (MG), no dia 5, e a chegada da lama a Baixo Guandu, as autoridades municipais e estaduais tiveram 12 dias para pensar e executar um plano que minimizasse os danos para a população.
A prefeitura, juntamente com o Saae e a Defesa Civil estadual e municipal, optou por fazer um novo sistema interligado a ETA (Estação de Tratamento de Água) da cidade, permitindo assim a suspensão da captação do rio Doce.
"Havia uma pequena usina hidroelétrica no rio Guandu desativada há cerca de 40 anos, com um reservatório e uma barragem. Recuperamos a estrutura, limpamos as calhas e instalamos canais até a ETA", explica o chefe da Defesa Civil da cidade, Valdério Walger.
Segundo o diretor do Saae, a empreitada "foi quase uma operação de guerra".
Em uma situação normal, era coisa para se fazer em no mínimo dois meses. Eram 50, 60 pessoas trabalhando ao mesmo tempo, muitas delas voluntárias
Luciano Magalhães, diretor do Saae
Os gastos com a intervenção, que incluíram a recuperação de comportas, testes da água, e a instalação de três adutoras de aproximadamente 700 metros, cada, foram estimados por ele em aproximadamente R$ 200 mil e pagos, segundo Magalhães, com dinheiro da reserva de contingência da autarquia vinculada à prefeitura.
"Vamos cobrar tudo isso da Samarco e queremos que eles transformem essa estrutura provisória em definitiva. Se não for de bom grado, vamos exigir na Justiça", disse Magalhães. A mineradora enviou representantes à cidade e forneceu o material para a instalação de uma das adutoras – a maior delas, de 250 milímetros de diâmetro. As outras duas, construídas com peças da prefeitura, eram de 150 mm e 200 mm.
Na cidade, apenas os moradores do distrito de Mascarenhas, distante 12 quilômetros da sede do município, que tinha uma ETA própria e dependente exclusivamente do rio Doce, está sendo atendida por caminhões-pipa. Estes, por sua vez, estão sendo abastecidos com a água tratada pelo Saae.
"Foi um paliativo, uma gambiarra bem-feita, mas foi uma gambiarra. Eu pessoalmente vou levar muito tempo para ter segurança de reabrir a captação do rio Doce", diz o diretor.
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