A crescente entrega da gestão de escolas públicas à Polícia Militar em diferentes estados do país tem acendido um sinal de alerta junto à sociedade e pesquisadores da área de Educação. A chama "militarização" das escolas aparece como uma resposta à crescente violência no ambiente estudantil, seja contra professores, servidores ou entre os próprios alunos, além de relatos de tráfico de drogas. Experiências em Goiás (leia mais) e Sergipe (leia mais) são defendidas como exemplos do sucesso de tal processo: disciplina, respeito, fim da violência e do tráfico, melhora no desempenho escolar.
Pesquisadores, no entanto, têm questionado pontos não levados em conta por trás dessa rotina de um ambiente mais limpo, e obrigação de continências, linguajar controlado e uniformes e cortes de cabelo militares. Em nota pública , o Fórum Estadual de Educação de Goiás também evidenciou repúdio a tal militarização, por ir contra os "princípios constitucionais de uma escola pública, gratuita, democrática, com igualdade de condições de acesso e permanência, pautada no pluralismo de ideias e concepções pedagógicas". O FEE-Goiás elencou quatro pontos principais que demonstram a problemática desse novo ambiente escolar aos quais o fórum se opõe: "determinar a cobrança de taxas em escolas públicas; implantar uma gestão militar que não conhece a realidade escolar, destituindo os diretores eleitos pela comunidade escolar; impor aos professores e estudantes as concepções, normas e valores da instituição militar, comprometendo o processo formativo plural e se apropriando do espaço público em favor de uma lógica de gestão militarizada; reservar 50% das vagas da escola para dependentes de militares".
A transferência da responsabilidade à Polícia Militar também estaria aliada a um controle da violência através de repressão, condições estruturais e financeiras privilegiadas, além de não abordar as causas reais dessa situação, como argumentou a doutora em Ciência da Educação e coordenadora do Observatório de Violência nas Escolas do Brasil, Miriam Abramovay, em entrevista à BBC.
A transferência da responsabilidade à Polícia Militar também estaria aliada a um controle da violência através de repressão, condições estruturais e financeiras privilegiadas, além de não abordar as causas reais dessa situação, como argumentou a doutora em Ciência da Educação e coordenadora do Observatório de Violência nas Escolas do Brasil, Miriam Abramovay, em entrevista à BBC.
Em depoimento concedido ao Portal ANPEd, a coordenadora do FEE-Goiás, a Prof. Virginia Maria Pereira de Melo, acredita que os resultados obtidos nestas escolas militarizadas, e que têm seduzido parte da sociedade, advém de "uma situação privilegiada, são decorrentes não da gestão militar, mas das condições diferenciadas efetivamente oferecidas. Caso essas mesmas condições estivessem presentes nas demais escolas públicas, elas e seus profissionais seriam com certeza capazes de assumir o trabalho com a competência necessária". A professora também aponta como esse caminho tem se afastado do "ideal republicano definido após longos debates no Plano Nacional de Educação, que garante educação pública de qualidade a todos os cidadãos, sem nenhum tipo de distinção".
Apesar da busca por um discurso de legitimidade da militarização de escolas públicas, é possível perceber posições contrárias à medida entre professores, alunos e servidores, como no protesto ocorrido no dia 21 de julho no Colégio Estadual Waldemar Mundim, em Goiânia. A manifestação é uma resposta ao projeto de lei enviado em caráter de urgência à Assembleia Legislativa de Goiás pelo governador Marconi Perillo. O projeto dispõe sobre a transformação de oito unidades de ensino público em colégios militares em Goiânia, Aparecida de Goiânia e Senador Canedo.
Reportagem: João Marcos Veiga
Confira o depoimento completo:
A entrega da gestão das escolas públicas estaduais para a Polícia Militar em Goiás: militarizar é a opção?
Prof. Virginia Maria Pereira de Melo
coordenadora do FEE-Goiás
Em um contexto de precarização e violência vivenciado pelas escolas, e em vista dos resultados pífios apresentados por grande parte destas quanto à aprendizagem de seus alunos, a proposta de entregar a gestão das escolas públicas estaduais para a Polícia Militar tem ganhado cada vez mais apoio dentro do governo goiano e da sociedade em geral. As famílias vêem os Colégios Militares como locais em que seus filhos estarão seguros, protegidos da marginalidade e das drogas, e onde aprenderão não somente aquilo que é próprio das escolas ensinarem, mas também ou principalmente, a disciplina, a obediência, o respeito à hierarquia, valores que eles pais não estão conseguindo desenvolver nos filhos. Também os resultados objetivos apresentados pelas escolas militares nas avaliações externas são considerados bons, colocando-as em posição de excelência em relação às demais escolas, com uma alta taxa de aprovação nos vestibulares. As escolas militarizadas são bem estruturadas fisicamente, organizadas, e com todo suporte necessário, tanto em relação aos ambientes escolares e materiais didáticos quanto à quantidade de pessoas para desempenharem as atividades de coordenação, fiscalização, acompanhamento disciplinar, psicopedagógico e psicológico. E muitos professores, assustados com a violência cotidiana, e angustiados com o desempenho ruim de alunos desatentos, sem material adequado, sem apoio das famílias, são encantados com a possibilidade de poderem trabalhar com tranqüilidade, sem se preocuparem com questões disciplinares, tendo toda uma equipe a dar sustentação à sua prática docente.
A questão que se coloca então é que os resultados obtidos, essa situação privilegiada, são decorrentes não da gestão militar, mas das condições diferenciadas efetivamente oferecidas. Caso essas mesmas condições estivessem presentes nas demais escolas públicas, elas e seus profissionais seriam com certeza capazes de assumir o trabalho com a competência necessária.
Isso torna claro que a proposta de militarização, embora tenha boa repercussão na sociedade em geral, por seus resultados imediatos, está marcada por equívocos graves, que podem repercutir negativamente na formação de várias gerações. É princípio constitucional que o Estado deve oferecer a todos uma escola pública, gratuita, democrática, com diversidade de ideias e concepções pedagógicas, e à qual todos tenham as mesmas condições de acesso e permanência com sucesso. Quando as escolas militares aparecem como verdadeiras “ilhas de excelência”, cobrando taxa de matrícula e mensalidades, mesmo sob a forma de contribuições voluntárias, fazem reserva de vagas para filhos de militares, não são questionadas pelas famílias e nem pelas autoridades por fazerem cumprir suas normativas disciplinares, está estabelecida a diferença, a exclusão. Nessa situação, nos afastamos do ideal republicano definido após longos debates no Plano Nacional de Educação, que garante educação pública de qualidade a todos os cidadãos, sem nenhum tipo de distinção. E o princípio da gestão democrática se perde com a substituição do diretor escolhido democraticamente pela comunidade escolar por um militar indicado por seus superiores, por mais preparado que este seja. É fato que o rendimento escolar tende a ser melhor em um ambiente em que as regras são obedecidas, mas esse não pode ser o ponto central de uma educação de qualidade. O papel da policia é resguardar o cidadão, garantindo sua segurança, não podendo assim assumir o encargo da educação. Educação é atribuição de professor.
A escola é espaço de aprendizagem, de formação de cidadania, de construção de valores e atitudes, e para que ela possa se efetivar como tal, não é necessário que seja militarizada. Basta que sejam destinados a ela os mesmos recursos encaminhados às escolas militares, tanto financeiros quanto de pessoal.
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