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segunda-feira, 28 de fevereiro de 2011

"Ainda há um espírito inquisitório no processo"

 
Paulo Sergio Rangel do Nascimento
Em um encontro com um grupo de juízes canadenses, realizado no Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro, o desembargador Paulo Rangel não poupou críticas à maneira como os operadores do Direito ainda resistem em colocar a Constituição da República acima do Código de Processo Penal. O CPP é de 1941 e não abarca uma série de garantias previstas no texto constitucional.
Com a Constituição de 1988, a estrutura passou a ser acusatória. “O titular exclusivo da Ação Penal no Brasil é o Ministério Público”, disse. Com isso, a Constituição afastou o juiz da fase pré-processual. “A Constituição normatiza garantias e direitos fundamentais. Mas o tribunal, através de suas decisões, ainda não os efetivou.”
Segundo Rangel, ainda há um espírito inquisitório no processo. Ele afirmou que o tribunal tem mantido a desclassificação de crimes que altera o objeto do processo. “O réu é acusado de um fato e condenado por outro”, diz. O desembargador também disse que há uma ideia errônea de que a Constituição trouxe muitos direitos para bandidos. A defesa do direito do outro, lembrou, é a defesa do seu próprio direito.
“Nós nos preocupamos demais com coisa de menos”, constata. Rangel afirmou que o tribunal ainda discute se cabe regime aberto para condenado por tráfico. “O Supremo Tribunal Federal, nossa Corte Constitucional, diz que abacaxi é fruta. O juiz, por não concordar, diz que é legume”, exemplificou de forma didática. A consequência disso, observa o desembargador, é que quem tem condições financeiras para recorrer aos tribunais superiores, recorre; quem não tem, continua preso.
Se existe uma hierarquia, diz, mesmo que não se concorde com o entendimento pacificado nas cortes superiores, não tem sentido decidir em sentido oposto. Isso cria uma Justiça de classe: uma para ricos e outra para pobres, afirma.
Outra crítica é a perda de tempo em discussões infrutíferas, como o de pena-multa. “Ninguém paga pena-multa”, diz. Se são 60 ou 65, tanto faz. Mas, às vezes, são jogados fora 30 minutos de discussão para chegar à conclusão.
Rangel também falou da reforma do Código de Processo Penal, em gestação no Congresso, que prevê acordo entre acusação e acusado. Ele entende que as pessoas passarão a aceitar o acordo para não ter de enfrentar todo o processo. O resultado será pessoas inocentes cumprindo pena na cadeia. Ele esclareceu não ser contra a acordos. Mas para Rangel é preciso equilíbrio, inclusive, do órgão de onde ele mesmo veio: o Ministério Público.
O MP, disse, tem uma postura muito “xiita” quando o assunto envolve matéria penal. Querem exercer a função punitiva e, ainda, há operadores que acreditam que vão encontrar “a verdade” no processo. Também criticou o fato de o juiz ir atrás das provas, papel que cabe ao Ministério Público.
“O réu não é o juiz, não é o promotor. Mas, quando o réu é um de nós, o referencial muda”, disse o desembargador, chamando atenção para a mudança de mentalidade quando a pessoa passa, por algum motivo, a sentir na pele a situação de réu. “Não advogo a impunidade. Eu defendo a efetivação das garantias, não importa de quem.”

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