O voto do ministro Celso de Mello sobre a candidatura do deputado federal Jader Barbalho (PMDB-PA) pode ser a principal arma contra a Lei Complementar 135, de 2010, ou simplesmente Lei da Ficha Limpa. O voto de outubro de 2010, divulgado nesta segunda-feira (21/2), põe no centro da discussão a garantia constitucional da anterioridade da lei eleitoral.
Em 27 de outubro de 2010, sete dos dez ministros do Supremo Tribunal Federal decidiram manter decisão anterior do Tribunal Superior Eleitoral que cancelou o registro de candidatura de Jader Barbalho, o segundo senador mais votado do Pará, com 1,79 milhão de votos. O candidato poderia ser enquadrado na Lei da Ficha Limpa porque, em 2001, renunciou ao seu mandato de deputado para escapar da cassação por acusação de improbidade administrativa.
Como no julgamento do recurso do ex-candidato ao governo do Distrito Federal, Joaquim Roriz (PSC), o julgamento terminou empatado em cinco votos a favor da aplicação imediata da lei e cinco, contra. No entanto, os ministros desempataram o placar, prevalecendo a decisão do Tribunal Superior Eleitoral.
Se dependesse de Celso de Mello, no entanto, a decisão do TSE não valeria. A argumentação do ministro gira em torno do artigo 16 da Constituição Federal, com redação dada por emenda de 1993. Pelo texto, "a lei que alterar o processo eleitoral entrará em vigor na data de sua publicação, não se aplicando à eleição que ocorra até um ano da data de sua vigência".
O erro do TSE, aponta Celso de Mello, estaria no fato de entender que a inelegibilidade não pode ser encarada como pena. Seguindo o raciocínio, o princípio da irretroatividade das leis estaria imaculado, já que não altera o processo eleitoral.
Fruto de uma iniciativa popular que contou com 1,9 milhão de assinaturas, o Projeto da Ficha Limpa foi aprovado pela Câmara dos Deputados em 5 de maio de 2010 e pelo Senado em 19 de maio do mesmo ano. Quinze dias depois, em 4 de junho, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva transformou o projeto em lei.
É esse caminho natural que Celso de Mello questiona em seu voto. Como ele lembra, o Congresso Nacional não pode passar por cima da Constituição Federal em seus atos: "A Câmara dos Deputados e o Senado Federal não podem transgredir, quer mediante leis de iniciativa popular (como na espécie), quer por intermédio de emendas à Constituição, o núcleo da Constituição".
Com isso, Celso de Mello defendeu que "a cláusula inscrita no artigo 16 estabelece que o novo diploma legislativo, emanado do Congresso Nacional, embora vigente na data de sua publicação, não se aplicará às eleições que ocorrerem em até um ano contado da data de sua vigência".
O decano do Supremo Tribunal Federal não exime a Justiça Eleitoral da responsabilidade de coibir as candidaturas de pessoas desprovidas de idoneidade e destituídas de probidade, desde que essas ações sejam compatíveis com a ordem constitucional.
O tempo da eleição"Tenho para mim", escreve o ministro, "para os fins a que se refere o artigo 16 da Constituição Federal, tal como compreendo o processo eleitoral e os diversos estágios em que ele se desenvolve, que o seu momento inaugural reside na data a partir da qual se permite, a qualquer partido político, promover a escolha, em convenção partidária, dos seus respectivos candidatos".
Ele explica que a lei se instaura com sua promulgação, como dita o constitucionalista Celso Ribeiro Bastos, ou com a sanção do projeto, na visão do tributarista José Souto Maior Borges. A validade da lei, por sua vez, só vem depois que ela estiver em conformidade com a Constituição Federal. Já a eficácia chega quando a lei é capaz de gerar e produzir suas consequências na ordem jurídica.
Durante o julgamento de Ação Direta de Inconstitucionalidade sobre uma nova regra para as coligações partidárias, em 2006, o Supremo Tribunal Federal manifestou o mesmo posicionamento. Na época, a ministra Ellen Gracie, relatora do caso, entendeu que "a utilização da nova regra às eleições gerais que se realizarão a menos de sete meses colide com o princípio da anterioridade eleitoral, disposto no artigo 16 da Constituição federal, que busca evitar a utilização abusiva ou casuística do processo legislativo como instrumento de deformação ou manipulação do processo eleitoral".
Celso de Mello conclui: "A cláusula inscrita no artigo 16 estabelece que o novo diploma legislativo, emanado do Congresso Nacional, embora vigente na data de sua publicação, não se aplicará às eleições que ocorrerem em até um ano contado da data de sua vigência".
O ponto de vista é defendido por Walter Ceneviva, em Direito Constitucional Brasileiro: "A norma constitucional, na versão de 1993, excluiu o período obrigatório de suspensão da vigência da lei, mas manteve o duplo objetivo de impedir mudanças constantes e de tornar conhecida a regra do jogo eleitoral com suficiente antecedência, de modo a igualar as oportunidades dos disputantes".
Interesses em jogoComo de costume, Celso de Mello embasou seu voto em diversos doutrinadores. Em Comentários à Constituição do Brasil, Celso Ribeiro Bastos lembra que não há como dissociar, ao longo do pleito, as possibilidades de aplicação da nova lei do jogo político.
"Se a lei for aprovada já dentro do contexto de um pleito, com uma configuração mais ou menos delineada, é quase inevitável que ela será atraída no sentido dos diversos interesses em jogo, nessa altura já articulados em candidaturas e coligações. A lei eleitoral deixa de ser aquele conjunto de regras isentas, a partir das quais os diversos candidatos articularão as suas campanhas, mas passa ela mesma a se transformar num elemento da batalha eleitoral", escreve Bastos. Para ele, o artigo 16 da Constituição Federal se mostraria como um mecanismo inibidor.
É da mesma opinião de Bastos o ministro Celso de Mello. Ele lembra no voto que "a norma consubstanciada no artigo 16 da Constituição da República vincula-se, em seu sentido teleológico, à finalidade ético-jurídica de obstar a deformação do processo eleitoral mediante modificações que, casuisticamente introduzidas pelo Parlamento, culminem por romper a necessária igualdade de participação dos que nele atuam como protagonistas relevantes".
Além de Bastos, o ministro cita o posicionamento de Adriano Soares da Costa, em obra especial sobre o tema, o Teoria da inelegibilidade, ficha limpa e registro de candidatura: novas (velhas) considerações teóricas. Ao comentar o indeferimento de candidaturas, ele explica que "a inelegibilidade cominada potenciada obsta o exercício daquele direito ao registro de candidatura. A inelegibilidade cominada potenciada obsta o exercício daquele direito ao registro de candidatura, como sanção pela prática de algum fato ilícito".
Nenhum comentário:
Postar um comentário
Seu comentário é sua opinião, que neste blog será respeitada