A tripartição do Poder significa que o Estado legisla, administra e julga por meio do Legislativo, do Executivo e do Judiciário. São independentes e harmônicos entre si e reclamam efetiva responsabilidade pelo exercício de função típica do Estado.
Apesar da independência e harmonia, a realidade mostra que o Executivo, em muitos momentos, domina o Legislativo e este avanço de um sobre o outro prejudica o fundamento maior da prática democrática. Quando o Executivo se mostra dominador e forte, o Legislativo se agacha e se apequena. Mas, sem dúvida nenhuma, há um mandonismo crescente sobre os senadores, deputados e vereadores que importa em controle total do Executivo pelo Legislativo. Esta usurpação fática de poder repercute no Judiciário, porque este depende do Executivo para montar estrutura adequada à prestação dos serviços jurisdicionais. A elaboração de leis, decretos, medidas provisórias, cheias de casuísmos ou mal feitas, repercute no trabalho do magistrado, porque de uso obrigatório para a solução dos litígios.
O abuso no uso de medidas provisórias chega ao ponto de legislar para impedir que o cidadão ingresse com Ação Civil Pública “para veicular pretensões que envolvam tributos, contribuições previdenciárias, Fundo de Garantia do Tempo de Serviço”.
Na divisão de atribuições, reservou-se para o Judiciário a solução de conflitos de qualquer natureza, envolvendo toda a sociedade. A falta de estrutura, a morosidade, a formalidade e muitos outros defeitos na tramitação dos processos emperram o cumprimento da missão por parte dos magistrados. Estes vícios centenários não deixam de ser atribuídos ao próprio Estado, que furta na disponibilização de recursos ou que atrapalha no uso desmedido do Judiciário para resolver, perseguir ou cicatrizar arbitrariedades cometidas.
A Fazenda Pública, portanto, a União Federal, os Estados, os Municípios, as autarquias, fundações e empresas públicas querem ter os juízes como seu representante na solução dos inúmeros litígios que inicia ou que responde. Assim, a relação entre o povo e os governantes tem sido sempre tumultuada, porquanto estes dispensam aos cidadãos tratamento de subordinados e violam muito frequentemente seus direitos.
Serve-se dos privilégios que dispõe em juízo e torna-se litigante maior da Justiça brasileira. Calcula-se entre 70% e 80% o percentual de demandas envolvendo a Fazenda Pública. Enumera-se dentre outras as prerrogativas para requerer ou responder a um processo judicial com a isenção de custas iniciais, artigo 27 do CPC; o elástico e diferenciado prazo de quatro vezes maior que o jurisdicionado comum para contestar qualquer ação, artigo 188 CPC; a restrição à concessão de medidas liminares; ou a famigerada precatória, em substituição à penhora nos processos de execução fiscal.
Induvidosamente, o Estado, por meio de seus agentes, situa-se como o primeiro a descumprir as leis e decisões judiciais. Não respeitam as obrigações assumidas com seus funcionários, humilham os aposentados, destratam os contribuintes e, quando se busca o Judiciário para recompor o direito violado, abusam dos recursos ou simplesmente não cumprem as determinações judiciais.
A Caixa Econômica Federal, por exemplo, deixou de pagar os índices de correção monetária dos depósitos do FGTS. As sucessivas derrotas não lhe impediram de recorrer, mas o deslinde só aconteceu quando se celebrou acordo com interferência do Supremo Tribunal Federal. Com isto, a Caixa desistiu de quase 40 mil recursos.
O cidadão é obrigado a recorrer ao Judiciário em muitas circunstâncias, pois não recebe os serviços essenciais de saúde, educação e segurança; ademais, se aprovado em concurso público, a nomeação fica na dependência do humor do governante; se tem um imóvel desapropriado, é forçado a buscar a Justiça para corrigir os valores insignificantes que são oferecidos. Uma série de situações que o cidadão não encontra outro caminho que não seja acionar o Judiciário; mas esta é uma batalha inglória, pois a tramitação do processo é carga pesada para o jurisdicionado que gasta para reclamar, além do paquidérmico andamento do processo.
Os agentes da Fazenda Pública buscam impaciente e ilegalmente maior arrecadação, sem qualquer limitação nos passos que trilham. O “terror penal para que os tributos sejam pagos” foi definitivamente implantado no Brasil. E as experiências com a criação de impostos sem sustentação constitucional é medida do dia a dia do brasileiro.
Tramitam no Congresso Nacional projetos de leis – 2.412/07 e 5.080/09 – que definem “critérios para o processamento administrativo das execuções fiscais”. Se aprovados, a dívida pública não mais será submetida à esfera do Judiciário, vez que estará criada a “execução fiscal de natureza administrativa”, autorizando a Fazenda Pública a penhorar e arrestar bens dos contribuintes.
Não contentes com a quebra de sigilo fiscal, pretende a Fazenda Pública fazer predominar seu interesse sobre o dos contribuintes para, sem autorização judicial, apropriar de bens dos cidadãos. Isto provoca o desrespeito dos governantes às leis do país, pois sabem que o tempo depõe em seu favor. É o que ocorre com a criação desenfreada de impostos, com o procedimento arbitrário de seus representantes, quando apreende mercadorias indevidamente, quando impõe cobranças indevidas, forçando a outra parte a contratar advogado para livrar-se de manifestação absolutamente contrária às leis.
A despeito de tudo isto, quando condenada, a Fazenda Pública é quem mais deixa de cumprir as decisões judiciais. O ente público é inanimado, mas seus agentes aprendem a obedecer às leis e decisões judiciais. Se isto não ocorre, resta a responsabilidade destes (agentes públicos) perante o cidadão.
Em outro trabalho, já dissemos que ensina-nos a exigir nota fiscal do que compramos para impedir a sonegação, mas não nos informam onde serão aplicados os fartos recursos arrecadados. Somos obrigados a contratar planos de saúde, a colocar nossos filhos em escolas particulares, a pagar segurança privada, a pagar advogado para reclamar devolução de valores pagos indevidamente.
Forçam os empresários a contratar escritórios especializados que sentem dificuldades no acompanhamento da criação de um tributo a cada quatro meses. Em 1947, pagávamos 14% de impostos, hoje já desembolsamos 37%. Somos obrigados a trabalhar mais de 140 dias no ano somente para pagar impostos; não sabemos dos impostos que pagamos, apesar de a Constituição exigir que devessem ser esclarecidos sobre o assunto, parágrafo 5º, artigo 150. A regulamentação do preceito ainda não se deu, mesmo depois de passados mais de 20 anos da Constituição. Um dos projetos de lei que tramita no Congresso obriga a indústria e o comércio a divulgarem, nas embalagens, os percentuais de impostos que pagamos.
Já se disse que o Brasil não é uma nação de direitos conquistados, mas de direitos concedidos. Aí está a diferenciação entre cidadania e estadania. A cidadania é entendida como a integração do povo ao governo, portanto fruto da conscientização política do cidadão, enquanto a estadania é criação da máquina estatal. Enfim queremos a “estadania” ou a cidadania?
Nenhum comentário:
Postar um comentário
Seu comentário é sua opinião, que neste blog será respeitada