Quando você investe em segurança, também investe no lado social, pois os jovens não terão vontade de ser traficantes”, defende o especialista
* Por Yasmin Vilhena
Dono de um currículo de dar inveja, Marcos do Val é reconhecido como o primeiro e único estrangeiro a dar instruções dentro da Academia Nacional de Polícia de Roma, na Itália, ocasião em que ministrou treinamentos para a segurança do Papa no Vaticano. É também instrutor da SWAT, instrutor-chefe e fundador do Cati Treinamento Policial Ltda - empresa com unidades na Europa e nos Estados Unidos – e criador de técnicas inovadoras de imobilizações táticas, difundidas em várias unidades policiais do mundo. Com vasto conhecimento em treinamento policial, Marcos do Val nos conta em uma entrevista exclusiva alguns dos desafios enfrentados para se consagrar “o brasileiro da SWAT”, bem com uma análise da segurança pública nacional e capixaba.
Você possui um histórico, digamos que invejável, na área de segurança e treinamento policial. Desde novo sempre teve interesse pelo assunto? Como tudo começou?
Servi o exército em 1990 e isso me deu um gosto muito grande pela área. Quando comecei a dar aula de Aikidô, vi uma cena de abordagem policial na qual houve uma tentativa de dominação que não deu certo, fazendo com que o infrator fosse morto por causa de um disparo dado para cima. Isso me chamou muito a atenção, o que fez com que eu criasse uma técnica policial específica por meio de estudos baseados em abordagens de diversas partes do mundo. Acabei apresentando esse projeto para a Polícia Civil do Espírito Santo e comecei a dar aula para os delegados. Um deles, vindo do Rio de Janeiro, achou as técnicas bastante inovadoras e acabou fazendo uma sugestão de pauta para o Jô Soares. Um americano que me viu no programa ficou muito interessado nas técnicas e me convidou para dar aula nos Estados Unidos, em meados de 2000.
Como foi se especializar em Resgate de Reféns junto a diversas equipes da SWAT (Special Weapons And Tactis)?
Quando cheguei aos Estados Unidos, comecei a dar aula para a SWAT de Dallas. Logo depois fui contratado pela associação da SWAT do Texas para ser instrutor e acabei viajando por todo o Estado para ensinar a minha tática, até conhecer a equipe da SWAT de Belmont - que fica próxima de Houston. Por eu não ser americano, essa equipe resolveu me colocar como membro honorário, justamente para fazer parte da SWAT. Com esse título, comecei a participar de operações reais e treinamentos de resgate de reféns, o que fez com que eu também me especializasse nessa área.
Além de ser membro honorário da SWAT no Texas, instrutor do D.E.A. (órgão de Polícia Federal encarregado pela repressão e controle de narcóticos) e do U.S. Army (Forças Armadas dos Estados Unidos) você também ministra treinamentos para o grupo Anti-terrorismo da equipe de operações especiais da NASA. Como busca trazer toda essa sua experiência para a realidade de nosso país?
Depois do atentado terrorista de 11 de setembro, em 2001, a NASA se tornou um grande alvo. A partir daí foi criado um grupo de operações especiais antiterror (composto de policiais federais) e eu acabei indo para lá para dar esse treinamento e formar o grupo, além de falar sobre a segurança no Brasil. Com o término do curso, a NASA me concedeu uma carta que me abriu portas no mundo inteiro, algo que ajudou e muito no meu conhecimento. Como de três em três meses estou nos Estados Unidos, levo muita bagagem interessante de lá e de cá. A troca é bem construtiva.
Você também ministra palestras corporativas mostrando toda a trajetória percorrida para atingir os seus objetivos, bem como os desafios que foram superados. Como busca alinhar a área de segurança com o ambiente corporativo?
Com as palestras busco contar todos os desafios que precisei superar para alcançar os meus objetivos, algo que não foi fácil. Tive muitas barreiras para enfrentar como a questão financeira, pois para dar aula lá me foi cobrado um valor de US$ 15 mil, uma quantia que eu não tinha naquela época e isso me deixou muito desmotivado. Mesmo assim fui caçar a minha oportunidade e liguei para vários departamentos em busca de contatos. Quando conseguia alguns telefones e apresentava a minha proposta, as pessoas desligavam o telefone na minha cara ou faziam pouco caso. Isso também foi muito chato. Outro fator que atrapalhou foi o fato de eu não saber falar inglês naquele período, tive que contar com a ajuda de um aluno. Um grande desafio que enfrentei foi durante o meu primeiro workshop para a SWAT de Dallas, no qual a maioria dos policiais saíram durante a aula, dizendo que não tinham nada para aprender com um brasileiro. De 45, só restaram 15 participantes. Uma realidade que mudou logo no primeiro intervalo do workshop, pois os que estavam lá dentro começaram a falar bem para os outros que me pediram desculpa e voltaram para a aula. No final deu tudo certo e é isso que eu busco mostrar para o mundo corporativo, destacando a importância de entender culturas diferentes, de estar sempre atualizado e fazer treinamentos para alcançar o topo da carreira.
Como funcionam as dinâmicas de grupo e quais os benefícios que elas podem trazer aos gestores?
A dinâmica é voltada para diretores de grandes empresas, ensinando-os a ter planejamento e a gerar uma equipe, pois é preciso executar uma operação com precisão. Um bom exemplo é o sequestro, que pode ser comparado ao mercado. No sequestro, destacamos a importância de um atirador de elite, do negociador e do gerente de crise para que tudo ocorra da melhor forma possível. Treinamos esse cenário e fazemos com que eles vivenciem essa situação, para verem que quando um não faz a sua parte o outro pode ser penalizado. Não adianta enganar o sequestrador, como também não adianta enganar o mercado.
No que a segurança pública americana se difere da brasileira?
O cidadão brasileiro não acredita no trabalho da polícia e isso acaba prejudicando a segurança pública. A própria imprensa também só noticia tragédias policiais o que gera um caos na sociedade. Duas realidades bem diferentes da americana, pois lá o policial é muito valorizado. Quando ocorre essa valorização as pessoas denunciam mais e os jovens ao invés de se tornarem bandidos buscam seguir carreira na polícia. Mas se você fala que quer virar policial no Brasil, sua família tenta te convencer do contrário. Outro ponto relevante é que essa mesma polícia se torna mais criteriosa para adicionar novos profissionais. O policial nos Estados Unidos também tem um bom salário e recebe mais incentivos. Para você ter ideia, se ele quiser fazer um trabalho para uma empresa de segurança particular ele pode usar a farda e a arma da polícia, ou seja, eles têm mais policiais nas ruas. No Brasil isso é ilegal. A segurança pública americana também é municipalizada e realiza grandes investimentos em viaturas, treinamentos e tecnologias. A sociedade americana respeita um policial da mesma forma que o brasileiro respeita um desembargador, por exemplo. São dois mundos completamente diferentes.
E do Espírito Santo? Quais seriam os principais gargalos e pontos positivos?
Por estarmos no Sudeste e rodeados de grandes estados, somos considerados como uma rota de fuga para esses bandidos. Por ainda estar muito cedo não posso fazer uma avaliação do atual governo, mas vejo que o passado diminuiu muito o índice de criminalidade no Espírito Santo que estava muito alto. Tivemos muitos policiais civis se especializando e indo para outros países para terem uma qualidade melhor, mas infelizmente tudo isso não muda da noite para o dia. Também temos os melhores presídios do país, visitei alguns que me lembram muito os americanos, como o de segurança máxima de Viana e o de Xuri. Tenho uma posição otimista da segurança pública daqui para frente.
Quão longo é o caminho que devemos percorrer para melhorarmos?
Em primeiro lugar, devemos acabar com essa cultura brasileira de sempre tirar vantagem. Temos que pensar na coletividade e não na parte individual. Do que adianta eleger um político só por ele ser amigo ou uma pessoa próxima? Esse negócio de troca de favores não é legal. Os governantes e os secretários de segurança também deveriam fazer mais pressão no Congresso para que seus trabalhos deem mais resultado e para que legislação seja mais rígida. O governo federal também não pode se omitir tanto e também precisa investir mais na área.
Para que essa melhoria seja alcançada, como podemos lidar com a questão do tráfico de drogas?
Seria importante conscientizar os usuários de drogas. Aqueles que têm um parente que consome algo ilícito devem deixar claro que eles são responsáveis por essa realidade que nós vivemos. Mesmo que a pessoa só use no final de semana, ela está movimentando o crime e isso faz com que o traficante se interesse pelo mercado, passando a invadir bairros de concorrentes e matando pessoas que se tornem devedoras.
Qual a sua avaliação sobre a morte do técnico de informática, Diego Biasutti, que invadiu a Prefeitura de Vila Velha? O segurança agiu corretamente?
Tecnicamente sim. Pois ele seguiu o uso progressivo da força que é um conceito internacional na área da segurança que se separa em alguns pontos. O primeiro deles é aparecer uniformizado e dar o comando verbal. No segundo já ocorre o contato físico, seja para pegar e tirar a pessoa, imobilizar ou algemar. O terceiro ponto é o uso de um equipamento menos letal (como uma arma de eletrochoque, por exemplo, que ele não tinha naquele momento). O último recurso é a arma de fogo e como ele não tinha algo menos letal já partiu para essa etapa. Vale a pena lembrar que não existe nenhum treinamento no mundo que te ensina a usar uma arma de fogo para dar um tiro na perna, pois quando se chega a essa etapa ela é seu último recurso. Imagina se esse rapaz que morreu tira a arma dele? Iria matá-lo e sair com a arma pelos corredores da prefeitura, podendo matar outras pessoas.
A falta de continuidade em determinados projetos do governo estadual acaba prejudicando a eficiência da segurança pública capixaba?
Sim, pois é muito importante investir em segurança pública. Do que adianta investirmos somente em hospitais se eles sempre estarão recebendo pessoas baleadas? Isso geraria uma superlotação. Quando se investe em segurança, você também investe no lado social, pois os jovens não terão vontade de serem traficantes. Você também terá mais policiais nas ruas, coibindo crimes e os investigando. Fico muito preocupado de regredirmos nesses próximos anos e por conta disso, acho muito importante darmos continuidade aos projetos anteriores.
Para finalizar, quais são os maiores desafios a serem enfrentados pelas políticas de segurança pública atualmente?
A falta de investimento e de interesse. Acho que a política pública não tem que ser de governo e sim de Estado, ou seja, algo que vai permanecer. Os policiais também precisam ter o foco de servir e proteger, e não de caçar bandidos. Outro ponto importante é importar coisas boas na área de segurança pública, sejam elas de conhecimento ou de tecnologia. Precisamos ter mais humildade para reconhecer técnicas diferentes que possam nos ajudar no dia a dia.
Publicado em: 13/03/2015
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