* Bernardo Dall'Agnol Sá
Resumo: Este artigo possui como objetivo analisar a
repercussão do rito a ser seguido nas ações penais que versem sobre o
crime de tráfico de drogas, em decorrência do conflito aparente entre a
Lei n.º 11.343/06 e o Código de Processo Penal-CPP, sobretudo quando
este prevê a aplicação de alguns procedimentos descritos em seus artigos
a todos os penais de primeiro grau, inclusive os por ele não regulados.
Considerando-se as orientações doutrinárias e jurisprudenciais, os
princípios constitucionais do contraditório, ampla defesa, segurança
jurídica e devido processo legal, e a Convenção Americana dos Direitos
Humanos, concluiu-se pela aplicação do procedimento ordinário, tendo em
vista ser o que melhor se amolda aos preceitos de ordem pública
atrelados ao contraditório e ampla defesa. Na elaboração deste artigo,
utiliza-se o método indutivo.
Palavras chave: Tráfico. Notificação. Rito. Procedimento Ordinário.
Introdução
Com escopo de aprofundar os estudos sobre os efeitos das inovações
trazidas pela Lei n.º 11.719/08 nos procedimentos a serem observados
para o julgamento de ações penais, em especial as envolvem atividades
delitivas com previsão legal, material e formal, específica, o artigo em
questão trata do aparente conflito procedimental existente entre a Lei
de Drogas e o Código de Processo Penal.
Isso porque a legislação específica prevê, a exemplo, etapa de
notificação pré-processual inexistente no rito ordinário da norma geral,
que por sua vez tem sua aplicabilidade no procedimento específico
possibilitada, em tese, pelo artigo 394, §4º, do Código de Processo
Penal.
Sendo assim fez-se manifesta a importância de o operador do direito
avaliar cautelosamente as razões que acompanham e sustentam a adoção de
qualquer desses procedimentos para o trâmite da ação penal, notadamente
diante da sua interferência direta no exercício da defesa por parte do
suposto autor da atividade penal incriminada.
Registra-se que o intuito de escrever sobre o presente tema é
exteriorizar a experiência prática do subscritor expondo os estudos
realizados sobre a matéria como, inclusive, forma a possibilitar o
exaurimento ou a minimização de dúvidas decorrentes da temática
envolvendo a adoção de um dos dois procedimentos, em tese, colocados à
disposição dos aplicadores do direito pelo legislador, bem como as
respectivas consequências.
Impõe-se, inarredavelmente, a digressão sobre diversos preceitos de
ordem pública, em especial o princípio do contraditório e ampla defesa,
assim como a
apresentação de alguns entendimentos firmados sobre o assunto, seja pela doutrina ou pela jurisprudência.
Registre-se que, no caso em estudo, não prevalece o princípio da
especialidade, porque se considerado em conflito com os princípios
constitucionais da ampla defesa, contraditório e devido processo legal,
estes é que devem se sobrepor àquele.
Por derradeiro, anota-se que o assunto não é ermo de controvérsia, ao
revés, eriçado de discussões, sendo que os respectivos fundamentos
basilares mereceram uma abordagem delineada e providencialmente
aprofundada na forma como segue.
1 Breves apontamentos acerca do rito procedimental adotado pela Lei n.º 11.343/06
Ao ponderarmos o parâmetro norteador do rito especial definido na
própria Lei n.º 11.343/2006, tem-se que oferecida a denúncia, o juiz
ordenará a notificação do acusado para apresentar defesa prévia, por
escrito, no prazo de 10 dias, podendo arguir toda e qualquer matéria
relevante à defesa, bem como arrolar, no máximo, 5 testemunhas, a teor
do art. 55, caput, e § 1º, da legislação referida.
Oferecida a defesa prévia por defensor constituído ou nomeado, neste
caso quando não oferecida no prazo legal após a notificação (art. 55, §
3º, da Lei de Drogas), o juiz, não verificando qualquer causa de
rejeição, deverá receber a denúncia e designar dia e hora para a
audiência de instrução e julgamento, ordenando a citação pessoal do
acusado, a intimação do Ministério Público, do assistente - se for o
caso - e requisitará os laudos periciais, conforme dispõe o art. 56, caput, da Lei n.º 11.343/06.
Da análise dos atos procedimentais acima perfilhados, tem-se que o
legislador determinou, a partir da denúncia ofertada pelo órgão
acusatório, a instauração obrigatória pelo juiz de um contraditório ao
notificar o denunciado para oferecer defesa prévia, antecedendo o
recebimento da denúncia, como forma de garantir maior efetividade às
garantias constitucionais e evitar a tramitação de processos que não se
mostram aptos a um fim profícuo à sociedade.
No entanto, com as alterações levadas a efeito no ordenamento jurídico
pela Lei n.º 11.719/2008 o Código de Processo Penal passou a estabelecer
no art. 394, § 4º, que "as disposições dos arts. 395 a 398 deste
Código aplicam-se a todos os procedimentos penais de primeiro grau,
ainda que não regulados neste Código".
Tal regramento é diverso do previsto na Lei de Drogas, uma vez que
segundo a nova sistemática do CPP o juiz recebe a denúncia e cita o
acusado para apresentação de resposta à acusação, por escrito, no prazo
de 10 dias. Após, não convencido dos argumentos apresentados, recebe a
denúncia, entendendo que não estão presentes os requisitos da absolvição
sumária. Por outro lado, pela lei de tóxicos, apresentada a denúncia, o
juiz notifica o acusado para oferecimento de resposta e só depois, se
não vislumbrar hipótese de absolvição sumária, recebe a denúncia e, ato
contínuo, determina a citação do réu e designa audiência.
Assim, pela sistemática do CPP, oferecida a resposta, o juiz deve
analisar a incidência ou não de alguma das causas do art. 397 do CPP,
que prevê a absolvição sumária do acusado e, somente depois,
transcorrido todo o juízo de admissibilidade da peça acusatória,
designar dia e hora para a audiência, ordenando a intimação do acusado,
de seu defensor, do Ministério Público e, se for o caso, do querelante e
do assistente (art. 399 do Código de Processo Penal).
Todavia, a desigualdade de procedimentos entre a Lei de Drogas e o
Código de Processo Penal acabou gerando não só um conflito aparente de
normas, como também diferentes entendimentos doutrinários a respeito do
assunto, os quais a seguir serão debatidos de forma detalhada.
3 Do conflito aparente de normas entre a Lei n.º 11.343/06 e o Código de Processo Penal
O doutrinador Fernando da Costa Tourinho Filho sustenta que todos os
procedimentos relativos a crimes previsto em lei especial, dentre estes o
da Lei n.º 11.343/06, sujeitam-se às regras expostas nos arts. 394 a
398 do CPP. [01]
Nesta esteira, transcreve-se a aludida lição:
Regra importante é a do §4º do art. 394: a todos os procedimentos
penais de primeiro grau aplicam-se as regras atinentes a recebimento e
rejeição de denúncia, "resposta do réu" e, inclusive, o julgamento
antecipado de que trata o art. 397. Não importa saber se o procedimento é
sumário, sumaríssimo, se é crime cujo procedimento especial esteja, ou
não, previsto neste Código. Os procedimentos relativos a crimes de abuso
de autoridade, contra a economia popular, entorpecentes, falimentares,
lavagem ou ocultação de bens, malgrado previstos em leis especiais,
sujeitam-se Às regras expostas nos arts. 395 a 398 do CPP. Exceto o art.
398, a despeito de ter sido
indicado no §4º do art. 394... É que ele "já nasceu morto". Antes de a
Lei n. 11.719/2008 entrar em vigor, o art. 398, a que ela se refere
expressamente no corpo do §4º do art. 394, estava revogado... o que
demonstra a maneira açodada como se fazem nossas leis.
Por outro lado, para Guilherme de Sousa Nucci, se a legislação especial
prevê um procedimento prévio de defesa do denunciado, antes do
recebimento da denúncia ou queixa, não tem cabimento, após ter sido a
peça acusatória recebida, reiniciar o procedimento de citação e oitiva
das razões do réu para, se for o caso, absolvê-lo sumariamente. [02]
A título ilustrativo, transcreve-se o entendimento do indigitado doutrinador:
12. Conflito aparente de normas: o disposto no art. 395 do CPP pode ser
aplicado a todas as situações de recebimento da peça acusatória, pois
cuida das condições da ação penal. Entretanto, ainda assim, é preciso
observar se, em lei especial, não existe mais alguma situação peculiar,
dando ensejo a eventual rejeição da denúncia ou queixa. Quanto aos arts.
396 (recebimento da denúncia ou queixa e citação do réu), 396-A
(resposta do acusado) e 397 (absolvição sumária) somente cabe a sua
aplicação se a lei especial não contiver procedimento diverso e
incompatível com o preceituado nesses três artigos. Afinal, sabe-se que
lei especial afasta a aplicação de lei geral. Portanto, se a legislação
especial prevê um procedimento prévio de defesa do denunciado, antes do
recebimento da denúncia ou queixa, não nos parece tenha cabimento, após
ter sido a peça acusatória recebida, reiniciar o procedimento de citação
e oitiva das razões do réu para, se for o caso, absolvê-lo
sumariamente. Ora, se as prova fossem tão evidentes assim, já não teria o
magistrado recebido a denúncia ou a queixa, pois houve defesa
preliminar, com exibição de provas.
Na visão de Edilson Mougenot Bonfim o intérprete da norma jurídica deve
proceder uma análise sistemática do disposto no art. 394, §2º, do
Código de Processo Penal, o qual prevê que se aplicam a todos os
processos o procedimento comum, salvo disposições em contrário do
próprio estatuto processual ou lei especial, concluindo que são
aplicáveis à generalidade dos procedimentos de primeira instância, desde
que não conflitem com as regras por eles estabelecidas [03].
Segue a profícua lição:
Em razão do contido no §4º do art. 394 - "As disposições dos arts. 395 e
398 deste Código aplicam-se a todos os procedimentos penais de primeiro
grau, ainda que não regulados neste Código" - há que se fazer uma
interpretação sistemática com o §2º do mesmo dispositivo legal,
donde se pode concluir que os arts. 395 a 398 são aplicáveis à
generalidade dos procedimentos de primeira instância, desde que não
conflitem com as regras por eles estabelecidas.
Com efeito, as considerações ora entabuladas auferem alta relevância na
medida de se determinar o rito adotado pela Lei n.º 11.343/06,
sobretudo em situação hipotética na qual o denunciado tenha sido
regularmente notificado, porém, deixado de oferecer a defesa prévia, o
que gera a necessidade de observação do disposto no art. 55, § 3º, da
Lei de Drogas, dispositivo este que determina a nomeação de defensor
para apresentação da peça técnica defensiva.
Desta feita, surge a seguinte indagação: Ao ser devidamente
providenciada a regular notificação do denunciado, tendo este deixado de
apresentar sua defesa prévia, de forma livre e consciente, mesmo após a
nomeação de defensor para tanto, deve o magistrado, após o recebimento
da denúncia, determinar a sua citação ou considerá-la praticada na
oportunidade da notificação e, decretando a sua revelia (art. 367, CP),
de imediato, designar dia e hora para a audiência de instrução e
julgamento, intimando-o?
Pela análise do comando inserto no art. 56, caput, da Lei n.º
11.343/06, a conclusão aparenta certa lógica no sentido de ser
determinada a citação do réu, porém, dos ensinamentos acima transcritos
verificarmos que, em casos concretos, a situação pode revelar a
incidência de percalços desnecessários à instrução processual e,
especialmente, à satisfação dos anseios da sociedade.
4 Da nova interpretação do termo "notificação" inserido no art. 55, caput, da Lei n.º 11.343/06
Com efeito, a repercussão prática e inafastável a ser aplicada nos
casos concretos em que se tenha procedido à notificação do denunciado
nos termos do art. 55, caput, da Lei n.º 11.343/06, é a designação de dia e horário para audiência de instrução e julgamento e não a citação do réu.
Caso o denunciado deixe de apresentar sua defesa prévia, a consequência
lógica é a satisfação do comando inserto no art. 55, §3º, da Lei n.º
11.343/06, que, por sua vez, coaduna-se com disposto no art. 396-A, §2º,
do Código de Processo Penal, ou seja, será nomeado defensor para
oferecer a resposta à acusação, concedendo-lhe vista dos autos pelo
prazo de 10 (dez) dias.
Seguindo-se restritamente o rito previsto na lei especial, se o réu,
notificado, deixar de apresentar sua peça defensiva técnica, mesmo após a
nomeação de defensor para tanto, deverá ser determinada a sua citação
pessoal e intimação para a audiência de instrução e julgamento.
Frustradas estas, diante da omissão da legislação, deve-se dar
seguimento nos moldes previstos nos artigos 361 (citação por edital) e
366 (suspensão do processo e do curso do prazo prescricional) do CPP.
Está clarividente que o termo "citação" previsto para resposta escrita no art. 396, caput,
do CPP, corresponde à "notificação" para resposta escrita prevista no
art. 55 da Lei de Drogas, tanto o é que inclusive os seus prazos são
idênticos (10 dias), ou seja, a semelhança de matérias a serem arguidas e
o prazo processual para apresentação, impostas pelo legislador às peças
processuais de nome distinto, ao que tudo indica, não foi por acaso.
Tem-se, pois, mera distinção de nomenclatura para referência a um mesmo
instituto.
Dessarte, adotando-se esse entendimento, tem-se que a opção pelo rito
ordinário, previsto no Código de Processo Penal, demonstra-se mais
razoável. Isso porque se o réu, citado (interpretação extensiva da
expressão "notificação"), deixar de apresentar sua peça defensiva
técnica, mesmo após a nomeação de defensor para tanto, deverá ser
decretada a sua revelia e, por conseguinte, determinada a sua intimação,
e não a citação, para comparecimento em audiência de instrução e
julgamento, a qual também seguirá o rito ordinário, e, em razão sito,
seu depoimento será colhido por último, para que tome contato com a
prova até então produzida, de modo a exercer na sua forma plena os
preceitos constitucionais do contraditório e da ampla defesa.
Em recente publicação o autor Renato Marcão, em sentido contrário, destacou [04]:
Como se vê, o §4º do art. 394 do CPP não pode ser interpretado
isoladamente, mas sim em consideração com os demais dispositivos do
mesmo artigo, levendo em conta, ainda, o disposto no art. 48, caput, da
Lei de Drogas, resultando claro que as regras gerais só têm aplicação de
forma subsidiária, residual, ao procedimento da Lei n. 11.343/2006, que
dispõe de forma contrária quando trata da notificação do denunciado
para apresentação de resposta escrita, do recebimento da denúncia,
citação do réu etc.
Mais adiante prossegue sublinhando que [05]:
Não há dúvida, portanto, que o procedimento regulado nos arts. 55 a 58
da Lei n. 11.343/2006, atual Lei de Drogas, permanece íntegro, sem
qualquer modificação decorrente do disposto nos arts. 396 e 397 do CPP,
ao contrário do que algumas vezes se tem proclamado em razão do disposto
no §4º do art. 394 do mesmo estatuto.
O sobredito doutrinador, no entanto, salienta que o que é causa de
absolvição sumária no art. 397 do CPP é causa de rejeição da peça
acusatória no âmbito da Lei de Drogas, reforçando a tese de que não se
trata de imposição do disposto no § 4º do art. 394, mas sim porque o
juiz jamais, em tempo algum, deve receber formalmente a acusação inicial
e instaurar processo criminal quando verificar: I - a existência manifesta de causa excludente da ilicitude do fato; II - a existência manifesta de causa excludente da culpabilidade do agente, salvo inimputabilidade; III - que o fato narrado evidentemente não constitui crime; ou, IV - extinta a punibilidade do agente. [06]
Portanto, a Lei de Drogas ao definir expressamente que é necessária a
citação do acusado para comparecer na audiência de instrução e
julgamento, a ser realizada após o recebimento da denúncia, apresenta
impropriedade, pois a prévia notificação faz às vezes da citação, ao
passo que perfectibiliza a relação processual, devendo, via de
consequência, considerar-se como tal, e a expressão "citação", prevista
na legislação específica, como o ato de "intimação" do acusado para
audiência de instrução e julgamento.
5 Os princípios constitucionais do contraditório, ampla
defesa, segurança jurídica e devido processo legal, à luz da Convenção
Americana dos Direitos Humanos e da jurisprudência pátria a respeito do
assunto.
A adoção de entendimento contrário ao que vem sendo esposado neste
trabalho não revela razoabilidade sob o argumento de que tal
interpretação poderá violar a segurança jurídica e o devido processo
legal, porquanto não há, em absoluto, a aplicação da lei processual
penal em malefício do réu.
Vale sublinhar que as normas processuais têm aplicação imediata, pouco
importando se o fato que deu origem ao processo é anterior à sua entrada
em vigor e os atos processuais realizados sob a égide da lei anterior
são considerados fatos válidos e não atingidos pela nova lei processual.
De qualquer forma, o rito ordinário é notadamente reconhecido como o
mais adequado ao exercício do contraditório e da ampla defesa, não
havendo que se reputar a incidência de violação ao princípio da
segurança jurídica.
O art. 5º, caput, da Constituição da República Federativa do
Brasil de 1988 garante expressamente a inviolabilidade à segurança
jurídica, tratando-se, a toda
evidência, de garantia fundamental eminentemente vinculada aos regimes
de natureza democrática, os quais costumam consagrar a proteção da
confiança e a segurança das relações jurídica constituídas.
Nesse sentido, elucida Canotilho [07]:
O homem necessitada de segurança para conduzir, planificar e
conformar autônoma e responsalvemente a sua vida. Por isso, desde cedo
se consideravam os princípios da segurança jurídica e da proteção da confiançacomo elementos constitutivos do Estado de direito.
O interesse precípuo do princípio positivado da segurança jurídica visa
nitidamente preservar e efetivar os valores consignados no Estado
Democrático de Direito, revelando-se como instrumento de garantia da
efetividade dos direitos fundamentais, dentre os quais se encontram o
contraditório e a ampla defesa, como se vê do art. 5º, inciso LV, da
Constituição da República Federativa do Brasil de 1988.
A Convenção Americana sobre Direitos Humanos (Pacto de São José da
Costa Rica), adotada no âmbito da Organização dos Estados Americanos, em
São José da Costa Rica, em 22 de novembro de 1969, entrou em vigor
internacional em 18 de julho de 1978, na forma do segundo parágrafo de
seu art. 74, sendo posteriormente promulgada no Brasil através do
Decreto n.º 678, de 6 de novembro de 1992.
Nela há a seguinte previsão:
Artigo 8º - Garantias judiciais
1. Toda pessoa terá o direito de ser ouvida, com as devidas garantias e
dentro de um prazo razoável, por um juiz ou Tribunal competente,
independente e imparcial, estabelecido anteriormente por lei, na
apuração de qualquer acusação penal formulada contra ela, ou na
determinação de seus direitos e obrigações de caráter civil,
trabalhista, fiscal ou de qualquer outra natureza.
2. Toda pessoa acusada de um delito tem direito a que se presuma sua
inocência, enquanto não for legalmente comprovada sua culpa. Durante o
processo, toda pessoa tem direito, em plena igualdade, às seguintes
garantias mínimas:
a) direito do acusado de ser assistido gratuitamente por um tradutor ou
intérprete, caso não compreenda ou não fale a língua do juízo ou
tribunal;
b) comunicação prévia e pormenorizada ao acusado da acusação formulada;
c) concessão ao acusado do tempo e dos meios necessários à preparação de sua defesa; (grifou-se)
O princípio do devido processo legal se encontra estreitamente
vinculado ao princípio do contraditório e da ampla defesa, não obstante
sua previsão esteja intimamente atrelada à garantia de adoção de
procedimento tipificado em lei, uma vez que a atenuação da regra
prevista na Lei n.º 11.343/06 vem de encontra ao interesse do próprio
réu, pois a marcha processual definida no Código de Processo Penal
confere a celeridade adequada - e necessária - à absolvição sumária.
A 1ª Câmara Criminal do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, nos
autos do HC 990.08.188568-9, relatado pelo Desembargador Figueiredo
Gonçalves em 16 de março de 2009, manifestou-se no seguinte sentido[08]:
Lei atualizando o Código de Processo Penal podia revogar as normas de
procedimento da Lei Antidrogas e o fez, expressamente, ao dispor sobre
esse aparente conflito no §4º do renovado art. 394 do CPP a qualquer
procedimento previsto em lei outra, fora do estatuto do processo, anda
no caso aqui tratado, da Lei Antidrogas. Desse modo, não há nulidade a
ser reconhecida, no curso da ação penal.
O Desembargador Ivan Marques, da 2ª Câmara Criminal do Tribunal de
Justiça do Estado de São Paulo, nos autos do HC n.º 900.08.189286-3 [09],
destacou que não há como imaginar qual seria o prejuízo decorrente da
denúncia ter sido recebida antes da defesa preliminar se, com a adoção do rito comum (CPP) o juízo examinará a resposta à acusação e poderá até mesmo absolver sumariamente o acusado.
O professor Luiz Flávio Gomes, em artigo publicado a respeito deste entrave destacou [10]:
O que se depreende das decisões do TJ-SP é o seguinte: de acordo com o
rito da Lei Antidrogas, se não houver a rejeição da denúncia, o acusado
viverá todas as fases do processo penal, para, apenas ao final, se
cabível, ser beneficiado pela absolvição sumária (o constrangimento do
processo em troca da absolvição sumária: uma lógica ilógica!). Uma
realidade completamente alterada pela Lei n.º. 11.719/08: o réu, agora, é
citado para a apresentação da sua defesa preliminar e a decisão
proferida nesse momento já pode ser a de absolvição sumária.
Laborou com acerto o autor na lição acima transcrita, porquanto com a
adoção do rito ordinário previsto no Código de Processo Penal confere a
possibilidade de absolvição sumária assim que o réu apresentar sua
resposta à acusação.
O Superior Tribunal de Justiça, aparentemente, vêm se rendendo à ideia
de que, em processos de natureza criminal cujo crime em apuração se
refere ao tráfico ilícito de drogas em conjunto com conduta delitual
diversa abarcada procedimento de natureza ordinária, deverá ser
observada esta marcha processual, a qual se coaduna de maneira
insofismável ao princípio da ampla defesa.
Neste sentido, a 6ª Turma do Superior Tribunal de Justiça, nos autos do
HC n.º 114997/SP – 2008/0197279-4, relatado pela Ministra Maria Thereza
de Assis Moura, em 16 de junho de 2011 (publicado em 28/06/2011),
destacou [11]:
PROCESSO PENAL. HABEAS CORPUS. TRÁFICO. INOBSERVÂNCIA DO RITO
PROCESSUAL ESTABELECIDO PELA LEI N.º 10.409/2002. CONEXÃO COM DELITOS
PREVISTOS NA LEI N.º 10.826/03. NULIDADE PROCESSUAL. NÃO OCORRÊNCIA.
1. Verificando-se a existência de conexão ou continência entre o crime
de tráfico ilícito de entorpecentes, que possui rito peculiar, e outras
infrações penais, o procedimento a ser adotado será o ordinário,
ressalvados os da competência absoluta do júri e das jurisdições
especiais.
2. In casu, são imputados crime da Lei de Drogas e crimes do Estatuto do Desarmamento.
3. Ordem denegada.
A 5ª Turma do Superior Tribunal de Justiça, nos autos do HC n.º
116374/DF – 2008/0211423-6, relatado pelo Ministro Arnaldo Esteves Lima,
em 15 de dezembro de 2009 (publicado em 01/02/2010), consignou [12]:
PROCESSUAL PENAL. HABEAS CORPUS. TRÁFICO ILÍCITO DE ENTORPECENTES,
ASSOCIAÇÃO PARA O TRÁFICO E LATROCÍNIO, NA FORMA TENTADA. NULIDADE POR
INOBSERVÂNCIA DO RITO PREVISTO NA LEI 11.343/06. NÃO-OCORRÊNCIA. CRIMES
CONEXOS. ADOÇÃO DO RITO ORDINÁRIO. MAIOR AMPLITUDE DE DEFESA.
INTERCEPTAÇÕES TELEFÔNICAS. RENOVAÇÃO. POSSIBILIDADE. NÃO-OCORRÊNCIA.
ORDEM DENEGADA.
1. A jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça, reiteradamente,
tem decidido que, nas hipóteses de conexão dos crimes previstos na Lei
11.343/06 com outros cujo rito previsto é o ordinário, este deve
prevalecer, porquanto, sob perspectiva global, ele é o que permite o
melhor exercício da ampla defesa. 2. A interceptação telefônica deve
perdurar pelo tempo necessário à completa investigação dos fatos
delituosos, devendo o seu prazo de duração ser avaliado motivadamente
pelo Juízo sentenciante, considerando os relatórios apresentados pela
polícia.
Precedentes do STJ e STF. 3. No processo penal pátrio, no cenário das
nulidades, vigora o princípio geral de que somente se proclama a
nulidade de um ato processual quando há a efetiva demonstração de
prejuízo, nos termos do que dispõe o art. 563 do Código de Processo
Penal e o enunciado sumular 523 do Supremo Tribunal Federal. 4. Ordem
denegada.
Convém ressaltar que há entendimento no Tribunal Regional Federal da 4ª
Região emanado no sentido de que a instrução processual, em situação
análoga, deverá seguir as normas da Lei n.º 11.343/06, oportunizando-se,
no entanto, a apresentação da resposta à acusação prevista nos arts.
396 e 396-A do Código de Processo Penal, com a finalidade de ampliar a
defesa do réu e evitar a posterior alegação de nulidades.
A 8ª Turma do Tribunal Regional Federal da 4ª Região, nos autos do HC
n.º 0003260-87.2010.404.0000, de relatoria do Desembargador Paul Afondo
Brum Vaz, destacou [13]:
[...] A defesa alega nulidade na condução do processo originário,
porquanto não estariam sendo observadas as alterações introduzidas pela
Lei n.º 11.719/2008, mais benéficas ao acusado. Sem razão. Ao que se
denota das informações prestadas, não há qualquer prejuízo ao acusado na
condução da ação penal. Ao contrário, conforme esclareceu a magistrada
singular, a instrução do feito seguirá as normas contidas na Lei n.º
11.343/05, oportunizando-se, todavia, a apresentação de resposta à
acusação prevista nos arts. 396 e 396-A do Código de Processo Penal, a
fim de ampliar a defesa dos réus e evitar alegação posterior de
nulidades. Assim, está sendo aproveitado o que é mais favorável de cada
uma das leis, com a finalidade de ampliar as oportunidades de defesa. De
fato, conforme ressaltou a juíza de primeiro grau: "... O rito adotado,
portanto, não causa prejuízo à defesa do paciente. Ao contrário, ao
possibilitar que os réus apresentem a defesa prévia antes do exame da
inicial acusatória pelo juiz e, após o recebimento desta, a resposta à
acusação, amplia o leque defensivo, permitindo que o acusado pleiteie a
rejeição da denúncia (defesa prévia do art. 55 da Lei n.º 11.343/06) e,
caso não logre êxisto, busque a absolvição sumária por meio da resposta à
acusação (art. 396 do Código de Processo Penal). [...] (D.E.
01/03/2010)
Certamente existem demais argumentos resistentes e favoráveis à
aplicação do rito ordinário previsto no Código de Processo Penal às
infrações penais com tipicidade legal reportada à Lei n.º 11.343/06, não
sendo aqui abordados em sua integralidade porquanto necessário se faz
manter-se a síntese expositiva outrora delineada.
6 Considerações finais
Finaliza-se este despretensioso estudo enumerando-se as derradeiras conclusões:
1) Ao que se pode concluir, denota-se que o rito ordinário, previsto no
Código de Processo Penal, é o que melhor se amolda à observância dos
mandamentos constitucionais do contraditório e da ampla defesa,
notadamente porque oferece a possibilidade de absolvição sumária do réu
de forma mais célere, além de proporcionar a possibilidade de a colheita
da prova ser precedente à oitiva do réu, o que sobremaneira confere-lhe
o melhor exercício de sua defesa, razão pela qual esse rito deverá ser
aplicado em detrimento do previsto na legislação especifica.
2) Deve-se observar que para o pleno exercício do contraditório deverá o
magistrado determinar que se faça constar a expressão "citação" no
mandado direcionado ao denunciado para oferecimento de resposta à
acusação, com as respectivas menções aos dispositivos correspondentes do
CPP, evitando-se assim futuras nulidades processuais.
3) Por todo o exposto, espera-se que o entendimento jurisprudencial se
firme no mesmo sentido defendido no presente estudo, porquanto, data venia,
afigura-se em perfeita consonância com os princípios basilares da
Constituição da República Federativa do Brasil, em destaque, os do
contraditório, ampla defesa e devido processo legal.
REFERÊNCIAS
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MARCÃO, Renato. Tóxicos. Lei n.º 11.343, de 23 de agosto de 2006 – Lei de drogas anotada e interpretada. 8ª ed. São Paulo, Saraiva: 2011, p. 418-419.
NUCCI, Guilherme de Souza. Código de processo penal comentado. 8ª. ed. rev., atual. e ampl. 3ª tir. São Paulo: RT, 2008. p. 702.
Notas
1. FILHO, Fernando da Costa Tourinho. Código de processo penal comentado. v.2. 13ª. ed. rev. e atual. São Paulo: Saraiva, 2010. p. 23.
2. NUCCI, Guilherme de Souza. Código de processo penal comentado. 8ª. ed. rev., atual. e ampl. 3ª tir. São Paulo: RT, 2008. p. 702.
3. BONFIM, Edilson Mougenot. Curso de Processo Penal. rev., atual. De acordo com as Lei n. 11.900, 12.016 e 12.037, de 2009. 5ª ed. São Paulo: Saraiva, 2010, p. 523-524.
4. MARCÃO, Renato. Tóxicos. Lei n. 11.343, de 23 de agosto de 2006 – Lei de drogas anotada e interpretada. 8A ed. São Paulo: Saraiva, 2011, p. 422.
5. MARCÃO, Renato. Tóxicos. Lei n. 11.343, de 23 de agosto de 2006 – Lei de drogas anotada e interpretada. 8ª ed. São Paulo: Saraiva, 2011, p. 422.
6. MARCÃO, Renato. Tóxicos. Lei n. 11.343, de 23 de agosto de 2006 – Lei de drogas anotada e interpretada. 8A ed. São Paulo, Saraiva: 2011, p. 418-419.
7. CANOTILHO, J.J. Gomes. Direito Constitucional e Teoria da Constituição, 3ª. ed. Coimbra, Almedina: 1997, p.252.
8. Brasil. Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo.Habeas Corpus n.º 990.08.188568-9. Disponível em . Acesso em 23 de agosto de 2011.
9. Brasil. Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo.Habeas Corpus n.º 900.08.189286-3. Disponível em . Acesso em 23 de agosto de 2011.
10. GOMES, Luiz Flávio. Lei nº. 11.343/06 versus Lei n.º. 11.719/08. Qual procedimento deve prevalecer? .
Jornal Carta Forense. 1º/06/2009. Disponível em:
http://www.cartaforense.com.br/Materia.aspx?id=4227. Acesso em 24 de
agosto de 2011.
11. Brasil. Superior Tribunal de Justiça.Habeas Corpus
n.º 114997/SP - 2008/0197279-4. Disponível em . Acesso em 23 de agosto de 2011.
12. Brasil. Superior Tribunal de Justiça.Habeas Corpus
n.º 116374/DF - 2008/0211423-6. Disponível em . Acesso em 23 de agosto de 2011.
13. Brasil. Tribunal Regional Federal da 4ª Região.Habeas
Corpus n.º 0003260-87.2010.404.0000. Disponível em
. Acesso em 23 de agosto de 2011.
* Graduado em Direito pela Universidade do Vale do Itajaí (UNIVALI).
Pós-graduado, em nível de especialização, com aptidão para o mercado de
trabalho e ao exercício do magistério superior, em Direito Processual
Civil pela Universidade do Sul de Santa Catarina (UNISUL).
Pós-graduando, em nível de especialização, com aptidão para o mercado de
trabalho, em Jurisdição Federal pela Escola Superior da Magistratura
Federal do Estado de Santa Catarina (ESMAFESC), em convênio com a
Universidade do Vale do Itajaí (UNIVALI). Assistente de Promotoria de
Justiça do Ministério Público do Estado de Santa Catarina (MPSC), com
lotação na 9ª Promotoria de Justiça da Comarca de São José/SC. Tem
experiência na área de Direito, com ênfase em Direito Civil, Direito
Processual Civil, Direito Penal, Direito Processual Penal, Direitos
Difusos e Coletivos.
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