Código Florestal: Entrevista especial com André Lima
“Chega desse papo de viúvos do Código Florestal. Agora
temos que monitorar o que vai acontecer e incidir sobre sua aplicação,
para evitar mais retrocessos e tentarmos garantir alguns avanços com o
Cadastro Ambiental Rural – CAR e os Programas de Regularização Ambiental
– PRA”, adverte o advogado.
Confira a entrevista.
Foto: www.apreflorestas.com.br |
“Precisamos acordar para o fato de que esse debate do Código Florestal
é revelador não somente de uma crise política entre governo com parte
de sua base, mas, sobretudo, de uma vulnerabilidade forte da nossa
economia reprimarizada, pautada num modelo intenso em uso de recursos
naturais e emissões de CO2 e poluentes, ou no que vem se convencionando
chamar de neodesenvolvimentismo, um misto de investimento públicos em
grandes obras de infraestrutura e que favorecem o setor privado, com um
misto de políticas sociais”. A declaração é de André Lima, ao comentar o primeiro ano de publicação do novo Código Florestal, instituído em 25 de maio de 2012. De acordo com Lima,
apesar de ter se passado um ano desde a promulgação da lei, o que
existe é “somente um decreto genérico que precisa ser detalhado para
definir o Cadastro Ambiental Rural – CAR. O CAR é o principal instrumento para a adesão aos Programas de Regularização Ambiental – PRA.
Sem a definição clara de como irá funcionar não tem como colocar em
prática a nova lei”, informa na entrevista a seguir concedida à IHU On-Line por e-mail.
Entre as dificuldades para implantar a nova lei, Lima
destaca um “desafio de grandeza continental” no que se refere à
situação dos órgãos ambientais, que “infelizmente ainda é muito diversa e
precária”. Na avaliação dele, “a nova lei avançou pouco, mas
institucionalmente avançamos menos ainda. Os setores econômicos mais
intensivos em uso de recursos naturais (dentre eles o agropecuário)
reclamam dos ‘gargalos ambientais’, mas absolutamente nada fazem para
demandar dos governadores e demais tomadores de decisão mais
infraestrutura e mais recursos humanos e financeiros para os órgãos
ambientais. Eu digo sem nenhum receio que esse é um dos grandes
problemas que ainda teremos que enfrentar pelos próximos anos”.
André Lima é
advogado formado pela Universidade de São Paulo – USP, assessor de
políticas públicas do Instituto de Pesquisa Ambiental da Amazônia e
consultor jurídico da Fundação SOS Mata Atlântica.
Confira a entrevista.
IHU On-Line – Quais as razões do atraso da implementação da Lei Federal n. 12.651?
Foto: www.valminillo.blogspot.com.br |
André Lima – O prazo para publicação do Decreto foi
26 de maio e, passado o primeiro ano, temos somente um decreto genérico
que precisa ser detalhado para definir o Cadastro Ambiental Rural – CAR. O CAR é o principal instrumento para a adesão aos Programas de Regularização Ambiental – PRA.
Sem a definição clara de como irá funcionar não tem como colocar em
prática a nova lei. O problema é que o sistema do governo federal ainda
está sendo concluído, e os estados até agora pouco ou nada fizeram para
se preparar adequadamente para operar o novo sistema.
Temos um desafio de grandeza continental e precisamos considerar que
no Brasil a situação dos órgãos ambientais infelizmente ainda é muito
diversa e precária. Em alguns casos é ainda praticamente inexistente.
Melhoramos muito se compararmos com 10 anos atrás, mas estamos muito
atrasados considerando a demanda existente e apresentada pela nova lei. A
verdade é que a nova legislação avançou pouco, mas institucionalmente
avançamos menos ainda. Os setores econômicos mais intensivos em uso de
recursos naturais (dentre eles o agropecuário) reclamam dos “gargalos
ambientais”, mas absolutamente nada fazem para demandar dos governadores
e demais tomadores de decisão mais infraestrutura e mais recursos
humanos e financeiros para os órgãos ambientais. Eu digo sem nenhum receio que esse é um dos grandes problemas que ainda teremos que enfrentar pelos próximos anos.
IHU On-Line – Diante deste atraso, o que é possível dizer acerca da pressa de aprovar a legislação há um ano?
André Lima – Na verdade, os produtores rurais mais
atrasados conseguiram (ao pautar o governo nas negociações) o que
queriam, pois as multas e as ações judiciais que cobravam recuperação
das áreas degradadas antes de julho de 2008 estão totalmente
paralisadas. Portanto, não há mais pressa por parte deles. Então, a lei
resolveu (por um tempo) seu problema e agora apostam na ineficiência do
Estado para dizer que esta nova lei também é impossível de ser cumprida.
Não me surpreenderei se em alguns meses houver nova investida
ruralista (como já está tendo por parte de alguns parlamentares mais
atrasados do setor, por exemplo, o deputado Collato)
contra a legislação no intuito de “atualizá-la” ou “adequá-la” à nova
realidade. Considerem que o Senado está para votar um projeto de lei que
autoriza o uso de áreas desmatadas na Amazônia para plantio de cana-de-açúcar.
Considerem que entre 2008 e 2012 foram desmatados na Amazônia algo em
torno de 2,5 milhões de hectares sobre os quais haverá uma disputa muito
grande. O poder público, pela nova lei florestal, tem o dever de
embargar seu uso e o setor deve querer incorporá-lo para viabilizar suas
estratégias de aumento de produção, de avanço da fronteira da cana para
Amazônia, Cerrado e Pantanal.
Estamos vivendo ainda em boa parte da Amazônia e do Cerrado
a dinâmica de fronteira e o Estado muitas vezes tem chegado atrasado.
Exceto quando cria unidades de conservação ou reconhece Terras
Indígenas. Mas estamos vivendo também no Congresso Nacional iniciativa
para limitar o poder do Executivo para fazê-lo. A PEC 215,
que está na pauta de prioridades dos ruralistas, pretende decepar o
único instrumento ágil que o governo tem de chegar antes da ilegalidade,
da especulação e da grilagem de terras na Amazônia.
Então, o que podemos dizer é que o Congresso Nacional, com boa carga de
leniência do governo, que patina com sua base aliada, está pautando a
agenda socioambiental pela lógica ruralista.
IHU On-Line – Uma das críticas ao Código Florestal diz
respeito aos Programas de Regularização Ambiental – PRA, os quais não
foram aprovados. Quais as razões?
André Lima – Um misto de desinteresse com falta de norte para sua implementação. Alguns estados entendem que o PRA é somente um decreto que diz qual o guichê, os prazos e que documentos um produtor rural deve apresentar para se regularizar, um tipo de passaporte da paz e alegria.
Na verdade, o PRA deve ser muito mais que isso. Deve
ser o programa que indica quais áreas podem ou não ser consolidadas
(desmatamentos ilegais anteriores a julho de 2008), considerando sua
vulnerabilidade ambiental e sua adequação agrícola. E isso exigirá
vontade política e determinação. Que parece que não há na grande maioria
dos estados. Além disso, a lei permite o adiamento por mais um ano da
publicação do PRA, e é isso o que deve acontecer na maioria dos estados, até pela própria letargia do governo federal que deveria dar o tom.
Teremos agora mais um ano para regulamentar a lei nos estados. E
enquanto isso tudo fica como está. Não deixa de ser um tipo de
insegurança jurídica.
IHU On-Line – Outra crítica diz respeito ao percentual de
proprietários de terras que fizeram o CAR: menos de 5%. O que esse
percentual revela? Nesse sentido, como vê a atuação dos estados nessa
questão?
André Lima – Poucos são os estados que começaram de fato a implementar algo próximo ao que deva ser um bom CAR. Mato Grosso e Pará
já iniciaram com muitos problemas. O primeiro há mais de 10 anos. Mas
há ainda muitos problemas para resolver. Além disso, como disse acima,
não parece haver interesse real em fazer a nova lei funcionar, pois isso
implicará em obrigar parte dos proprietários a recuperar parte dos desmatamentos ilegais.
Lembro que ano que vem é ano eleitoral, o que vai tornar essa agenda
ainda mais politizada e de difícil implementação. E o prazo vencerá um
mês antes de iniciar o período eleitoral. Quem não fizer agora terá essa
espada sobre seu pescoço.
IHU On-Line – Em artigo recente, o senhor mencionou que o
Ministério de Meio Ambiente recusou a proposta do instituto O Direito
por um Planeta Verde e do Instituto de Pesquisa Ambiental da Amazônia
(Ipam) para a criação de um grupo assessor, no âmbito do Conselho
Nacional do Meio Ambiente – Conama, tendo em vista o acompanhamento e
avaliação da implementação da nova lei. Quais as razões dessa rejeição e
como o novo Código Florestal foi implementado ao longo do primeiro ano?
André Lima – A razão é que o Executivo está cedendo à pressão do Legislativo de tirar poderes do Conama
nessa matéria. A nova lei reduziu significativamente as competências do
Conama para regulamentar essa matéria. Agora, a competência do Conama
é residual e o Executivo parece concordar com essa estratégia. Quisesse
fortalecer o órgão, como tem sido o discurso da presidência do Conama, chamaria para si o papel de monitorar a implementação da lei, afinal o Conama é o órgão democrático e ali estão todos os setores.
Se examinarmos a composição do GT criado pela ministra, veremos que
todos os órgãos convidados a compor o referido GT estão representados no
Conama. Não faz sentido convidar uns e não outros. No
entanto, isso significa um retrocesso evidente, pois para ser
sustentável tem de ser democrático. Não existe sustentabilidade sem
democracia, que também se faz pela forma participativa.
Democracia não é só no Congresso Nacional nem em GTs em que se
convida quem se quer, ou só os amigos. Isso é aparelhar o Estado. As
instâncias legítimas existem para isso. Esse é o papel do Conama.
Parece que este governo é tão sustentável quanto democrático.
Flexibilizou na lei para atender o reclamo ruralista e reduziu a
intensidade democrática com que essa lei é implementada e deve ser
monitorada. A ministra respondeu à nossa solicitação com a criação por
portaria de um GT. Embora seja importante esse GT, trata-se de um
instrumento precário, pois a qualquer momento uma portaria pode ser
revogada por outra. Se esse grupo de fato puser o dedo nas feridas,
continuará existindo? Estamos demandando, através da representação que
temos pelo IDPV, uma vaga no GT, vaga que é indicada
pelas organizações ambientalistas no Conama. Queremos isso para que
possamos dar à nossa contribuição. Desejamos virar a página.
Chega desse papo de viúvos do Código Florestal.
Agora temos que monitorar o que vai acontecer e incidir sobre sua
aplicação, para evitar mais retrocessos e tentarmos garantir alguns
avanços com o CAR e os PRAs, tal como devem ser. Por isso criamos o Observatório do Código Florestal para abrir esse debate, que tem sido feito somente em gabinetes sem transparência e sem participação social.
IHU On-Line – Que aspectos da legislação devem ser implementados com mais urgência?
André Lima – É fundamental que os PRAs
identifiquem as regiões e bacias hidrográficas onde a recuperação e a
conservação de florestas e da vegetação nativa deverão acontecer com
apoio e determinação do poder público e participação dos produtores
rurais. A lei estabelece, por exemplo, que as APPs de imóveis com mais de 4 MF desmatadas antes de julho de 2008 possam variar de 20 até 100 metros e isso será definido pelos PRAs. Portanto, que seja definido. Por exemplo, Mato Grosso
já adiantou que não quer nada além do mínimo. Mas há outras regiões e
estados com governantes mais afinados com o desenvolvimento sustentável
que sabem que o mínimo não atende sequer ao setor agropecuário.
Também é importante que instrumentos de monitoramento público da
implementação da lei sejam estabelecidos nos estados. Enfim, teremos
muito trabalho nos próximos 3 a 4 anos. Além disso, os instrumentos
econômicos precisam ser colocados em prática.
IHU On-Line – Deseja acrescentar algo?
André Lima – Reforço a importância de a sociedade
organizada acompanhar de perto nos estados a implementação da nova lei.
Além disso, preocupa-nos muito a forte agenda de desregulamentação e
retrocessos na área ambiental em curso, sob a liderança ruralista e a
leniência do governo Dilma.
Além do Código Florestal, do sistema de criação de
unidades de conservação e terras indígenas, agora tem também um projeto
de lei que trata das áreas de entorno de unidades de conservação.
Os projetos relacionados à mineração e o licenciamento ambiental também serão objeto de rediscussão.
Precisamos acordar para o fato de que esse debate do Código Florestal
é revelador não somente de uma crise política entre governo com parte
de sua base, mas, sobretudo, de uma vulnerabilidade forte da nossa economia reprimarizada,
pautada num modelo intenso em uso de recursos naturais e emissões de
CO2 e poluentes, ou no que vem se convencionando chamar de
neodesenvolvimentismo, um misto de investimentos públicos em grandes
obras de infraestrutura e que favorecem o setor privado, com um misto de
políticas sociais.
O Brasil pode muito mais do que simplesmente se contentar em
tornar-se o grande celeiro do mundo para alimentar porcos e vacas na
Europa ou na Ásia.
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