SEGUNDA LEITURA
O “petrolão” nada mais é do que a outra face da chamada operação “lava jato”. Esta resultou em 10 ações penais que tramitam na 13ª Vara Federal de Curitiba, sob a presidência do juiz federal Sérgio Moro, com vários diretores das mais importantes empreiteiras do Brasil e da Petrobras presos desde novembro de 2014.
As investigações foram desmembradas face à existência de vários suspeitos, mencionados nos depoimentos de delação premiada por Alberto Youssef, Paulo Roberto Costa, Pedro Barusco e outros. Ressalte-se que estas e outras delações foram estimuladas pelo fato que, no caso mensalão, não houve delações premiadas e, ao final, os denunciados políticos acabaram recebendo penas muito inferiores às dos demais. Exemplo: o empresário Marcos Valério, condenado a 40 anos de prisão, tentou depois delatar o ex-presidente Lula. Tarde demais.
O juiz Sérgio Moro manteve sob sua jurisdição os empresários e os membros da cúpula da Petrobras, acusados de corrupção ativa/passiva, formação de quadrilha e lavagem de dinheiro, esta em torno de R$ 10 bilhões. Como outros investigados tinham prerrogativa constitucional de foro (deputado federal responde por seus atos no STF e governador no STJ), Moro enviou ao STF as peças referentes aos políticos envolvidos.
O esquema, basicamente, seria o seguinte: empreiteiras financiavam campanhas de políticos e estes, depois, mostrariam sua gratidão influenciando os contratos, por isso recebendo um percentual, tal qual membros da cúpula da Petrobras.
Pois bem, no último dia 3 de março, o procurador-geral da República (PGR), Rodrigo Janot, encaminhou ao relator do caso no STF, ministro Teori Zavascki, todas as acusações recebidas da Justiça Federal do Paraná. Foi requerida a abertura de 28 inquéritos envolvendo 49 pessoas e pedido o arquivamento de 7 procedimentos.
O relator derrubou o sigilo e a mídia noticiou que entre os suspeitos estavam nada menos que 47 políticos, 37 deles parlamentares, incluindo os presidentes do Senado (Renan Calheiros) e da Câmara dos Deputados (Eduardo Cunha). Algumas acusações foram enviadas à primeira instância, porque o investigado perdeu o foro privilegiado (como o caso de Antonio Palocci) e outras foram arquivadas sumariamente (como a de Aécio Neves). Foi descartada apuração contra a presidente Dilma Rousseff.
A partir de agora, no STF teremos as investigações. Não se trata de ações penais, mas de mera colheita de provas. Por isso, são remotas as possibilidades de prisão ou afastamento do cargo de quem quer que seja. Mas, nem por isso, elas deixam de gerar consequências graves.
A primeira delas é o aumento da descrença da sociedade no Brasil e em suas instituições. O movimento de jovens que procuram migrar para países como o Canadá e a Austrália cresce a cada dia. A segunda é a crise política. Presidência da República e Congresso já estão em conflito e disto resulta, por exemplo, maior rejeição de projetos de lei. A terceira é a questão econômica que poderá afetar milhares de empresas e, como solução, o governo tenta um acordo para pagamento parcelado (acordo de leniência). A quarta é a social, porque empreiteiras envolvidas podem quebrar deixando sem emprego milhares de brasileiros. A quinta é a alta do dólar, com todas suas consequências.
Mas em que consistem e como serão feitas essas investigações no STF? Consistem na apuração dos fatos em inquérito policial, separadamente. Cada caso terá uma investigação própria, porque, se fossem unificados, a apuração demoraria anos. Um delegado de Polícia Federal conduzirá cada investigação e o relator no STF, ministro Teori Zavascki, como se fosse um juiz de primeira instância, controlará os atos da polícia. Por exemplo, autorizando medidas extremas como a quebra de sigilo bancário. O prazo de conclusão é de 60 dias, mas pode ser prorrogado.
Concluída a apuração em cada inquérito, será aberta vista ao MP Federal, que poderá pedir o arquivamento, novas diligências ou oferecer a denúncia. Caberá ao relator o exame. Se houver pedido de arquivamento, ele não terá como indeferir, simplesmente porque não há autoridade superior ao Procurador Geral da República no âmbito do MP. Se deferir novas diligências, fixará prazo. Se houver denúncia, levará ao exame da 2ª Turma do STF para análise do recebimento ou rejeição.
Os membros da 2ª Turma do STF terão um papel decisivo. São eles os ministros Celso de Mello, Gilmar Mendes e Carmem Lúcia. Há ainda um cargo vago há sete meses, fruto da aposentadoria de Joaquim Barbosa e do qual aguarda-se a indicação da presidente da República. Este quinto nome poderá ser o voto de desempate em alguns casos, portanto, quando indicado pela presidente ao Senado, sua vida será esmiuçada e não se descarta, até, a hipótese da rejeição.
Em cada investigação, se for ofertada denúncia pelo MPF, o acusado será notificado para defender-se em 15 dias. Se suas razões forem aceitas, a inicial pode ser rejeitada e sobrevir arquivamento. Mas, se for recebida, aí sim terá início a ação penal, com direito à produção de provas pelo MPF e pelo réu.
Na fase judicial, evidentemente, a maioria dos depoimentos de testemunhas serão colhidos em outras cidades. Alguns em Curitiba, outros nas cidades onde teria ocorrido a corrupção. Outros, ainda, em locais dispersos do Brasil e do exterior. Qualquer estudante de Direito sabe que a defesa pode arrolar testemunhas de antecedentes residentes em locais distantes, apenas para protelar o julgamento. Ocorre que, atualmente, esta prática não tem dado resultados no STF, porque os ministros são auxiliados por juízes que viajam ao local de domicílio da testemunha e colhem a prova rapidamente.
Há, ainda, um fator a ser lembrado. Como a competência da Corte é muito ampla, o volume de processos é enorme, em torno de 10 mil para cada ministro. Muito embora cada gabinete possua cerca de 25 a 30 auxiliares, é difícil dar vazão a tantos recursos ou ações originárias. O ministro Teori Zavascki é dos mais ágeis na tramitação dos processos, mas, inevitavelmente, os outros processos a seu cargo sofrerão os efeitos das investigações do “petróleo”. É fácil prever que diariamente haverá visitas de advogados e profissionais da mídia.
Qual será o resultado disto tudo? Não haverá um resultado, mas sim vários. Alguns já estão ocorrendo, por exemplo, o desgaste político dos envolvidos. Não será surpresa se algum deles for vaiado no avião ou ofendido em um restaurante. Assim, custa crer que o presidente da Câmara, Eduardo Cunha, estreará seu projeto “Câmara Itinerante” em Curitiba, dia 20 próximo. A reação popular é imprevisível, talvez os parlamentares tenham que voltar apressadamente para a segurança de seus gabinetes em Brasília.
Ainda, estas investigações não são o ponto final das apurações. Fatos novos poderão surgir a qualquer momento. Outros suspeitos, entre eles governadores de Estado, provavelmente serão expostos nas próximas semanas. Outras delações premiadas poderão surgir, na medida em que empresários perceberem que a prisão dificilmente alcançará os políticos. Aumentarão as tentativas de desestabilizar os que dão seguimento às investigações ou às ações penais. E também de contratar ministros do STF ou STJ aposentados para auxiliar na defesa, confiando nas informações que possuem mais do que na capacidade que ostentem como advogados.
Em suma, apesar da decepção geral com o nível a que chegou a corrupção no Brasil, o fato é que as instituições estão funcionando regularmente e isto é muito bom. Discrição e eficiência têm sido as características dos policiais, agentes do MPF, o PGR e do magistrado Moro. A divulgação dos nomes pelo ministro Zavascki também foi um passo à frente, um sinal de respeito à população, que tem todo o direito de ser informada. Há uma mudança positiva de práticas e isto é um grande avanço. O mérito de cada investigação (culpado ou inocente) será dado ao final. Confia, Brasil.
Vladimir Passos de Freitas é desembargador federal aposentado do TRF da 4ª Região, onde foi corregedor e presidente. Mestre e doutor em Direito pela UFPR, pós-doutor pela Faculdade de Saúde Pública da USP, é professor de Direito Ambiental no mestrado e doutorado da PUC-PR. Presidente eleito da "International Association for Courts Administration - IACA", com sede em Louisville (EUA). É vice-presidente do Ibrajus.
Revista Consultor Jurídico
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