Liminar deferida contra a Samarco em ação civil pública ajuizada pelo Ministério Público de Minas Gerais.
Leiam abaixo:
Processo n° 0395595-67.2015.8.13.0105
Natureza: Ação Civil Pública Cautelar
Requerente: Ministério Público do Estado de Minas Gerais
Requerida: Samarco Mineração S/A
DECISÃO
Vistos etc.
Trata-se de AÇÃO CIVIL PÚBLICA CAUTELAR, com pedido de liminar, ajuizada pelo MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE MINAS GERAIS contra SAMARCO MINERAÇÃO S/A, partes qualificadas.
Narra que, conforme amplamente nos meios de comunicação, na tarde de quinta-feira, dia 05/11/2015, duas barragens de rejeitos de mineração operadas pela empresa-requerida se romperam no distrito de Bento Rodrigues, em Mariana, na Região Central de Minas Gerais, degradando e poluindo o meio ambiente, causando uma enxurrada de lama que, além de causar mortes e expressivos danos no entorno, acarretou uma onda de cheia na calha do Rio Doce.
Afirma que, em razão do referido evento danoso, o Município de Governador Valadares adotou as medidas sugeridas pela Agência Nacional de Águas e interrompeu a captação no rio, em face da presença de resíduos que implicaram em grandes alterações das características da água bruta, não sendo possível retomá-la até o presente momento, pois as análises realizadas revelaram que sua qualidade ainda está comprometida.
Comenta que o Município de Governador Valadares não pode arcar sozinho com todas as ações emergenciais e, em especial, com seus custos, já que refletem externalidades negativas das atividades dos empreendimentos da requerida.
Descreve a existência de direitos constitucionais relativos ao acesso da população à água potável e ao saneamento básico, além de um meio ambiente equilibrado, bem como invoca os princípios da reparação integral do dano ambiental e do poluidor-pagador e usuário-pagador, previstos na Lei 6.938/1981, e, ainda, as disposições contidas no Código de Defesa do Consumidor.
Requer, liminarmente, sob pena de multa diária de R$ 1.000.000,00, a determinação para que a empresa‑requerida promova o monitoramento da água e forneça ao Município de Governador Valadares os recursos humanos e materiais para a efetivação do Plano de Emergência formulado pela administração municipal, nos seguintes termos:
800 (oitocentos) mil litros de água/dia para os estabelecimentos de saúde, as escolas, os abrigos, o Corpo de Bombeiros e para a reserva estratégica do Serviço Autônomo de Água e Esgoto (SAAE);
80 (oitenta) carregamentos de caminhões-pipa;
80 (oitenta) mil litros de diesel (correspondendo a 100 litros/dia por carregamento/caminhão x 30 dias para busca da água da COPASA em Marilac, Frei Inocêncio e Ipatinga);
R$70.000,00 (setenta mil reais)/dia para comunicação;
Contratação de 100 (cem) agentes de endemias;
50 (cinquenta) reservatórios de 30 (trinta) mil litros e bombas;
Veículo de tração 4x4 (para transportes de membros e equipamentos da defesa civil);
Barco com motor de popa e 6 coletes salva-vidas para os membros da defesa civil;
130.000 (cento e trinta mil) “bombonas” de 50 (cinquenta) litros por dia para cada uma das 130.000 (cento e trinta mil) residências do Município de Governador Valadares.
Monitorar diariamente, e pelo período mínimo de 30 trinta dias, a qualidade das águas em pontos definidos pelo Município de Governador Valadares, com remessa dos laudos respectivos ao Município e ao Ministério Público;
Monitorar semanalmente, e pelo período mínimo de 30 dias, nos mesmos pontos do item anterior, a análise e avaliação dos contaminantes tóxicos, com remessa dos laudos respectivos ao Município e ao Ministério Público.
Apresentação de plano de monitoramento da persistência dos poluentes no leito do Rio Doce e de plano de reparação inicial dos danos causados, no prazo de 30 dias.
Ao final, requer a procedência do pedido, com a confirmação da liminar pleiteada.
Com a inicial, foram juntados os documentos de f. 08/43.
DECIDO.
Vale destacar, de início, que a ação civil pública e a ação cautelar são instrumentos hábeis, à disposição do Ministério Público, para a defesa do meio ambiente, a qual traz embutida o permissivo legal conferido ao julgador, de conceder liminar, com ou sem justificação prévia, no curso da lide, no intuito de evitar a ocorrência de dano de natureza grave ou de difícil reparação, nos exatos termos dos artigos 1º, inciso I, 3º, 4º, 5º e 12, todos da Lei nº 7.347, de 24 de julho de 1985.
A propósito, dispõe o artigo 225 da Constituição da República, in verbis:
“Art. 225. Todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao Poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras gerações”.
Em matéria ambiental, o ordenamento jurídico brasileiro adota a teoria da responsabilidade civil objetiva, prevista no artigo 225 da Constituição Federal, bem como no art. 14, parágrafo primeiro, da Lei 6.938/1981, que regulamenta a Política Nacional do Meio Ambiente.
Aliás, em se tratando de dano ambiental, a responsabilidade não só é objetiva, mas fundamenta-se na teoria do risco integral, à consideração de que o sujeito deve ser responsabilizado pelo simples fato de desenvolver uma atividade que implique em risco para terceiros, mesmo que atue dentro da mais absoluta legalidade. Nesse sentido:
“Em matéria de direito ambiental a responsabilidade é objetiva, orientando-se pela teoria do risco integral, segundo a qual, quem exerce uma atividade da qual venha ou pretende fruir um benefício, tem que suportar os riscos dos prejuízos causados pela atividade, independentemente da culpa. Com sua atividade, ele torna possível a ocorrência do dano (potencialmente danosa). Fala-se em risco criado, responsabilizando o sujeito pelo fato de desenvolver uma atividade que implique em risco para alguém, mesmo que aja dentro mais absoluta normalidade”.1
Ora, num juízo prévio, próprio desta fase processual, verifico que a prova documental que instrui a inicial demonstra a plausibilidade do direito invocado e a possibilidade de dano irreparável ou de difícil reparação na espécie, sobretudo os relatórios e boletins fornecidos pelos órgãos ambientais, tais como a Agência Nacional de Águas – ANA, o Centro Nacional de Gerenciamento de Riscos e Desastres – CENAD, o Serviço Geológico do Brasil – CPRM, além do próprio Serviço Autônomo de Água e Esgoto de Governador Valadares – SAAE/GV, os quais, de forma unânime, apontam o rompimento das barragens de resíduos da empresa-requerida como causador do desastre ambiental sem precedentes na Bacia do Rio Doce, de onde é captada toda a água que é tratada e consumida neste município, com população estimada em quase 300.000 (trezentos mil) habitantes.
Em diversas matérias veiculadas pela mídia, é possível averiguar o enorme rastro de destruição deixado pelo evento danoso, provocado pelo deslocamento dos rejeitos oriundos das barragens rompidas, ao longo do leito dos cursos d'água por onde têm passado, causando mortandade da fauna e da flora e a impossibilidade momentânea de tratamento para potabilidade das águas atingidas, em face da presença excessiva de lama, metais e resíduos químicos, sem previsão de retorno ao estado anterior.
Vale registrar, por oportuno, que não há nenhuma dúvida quanto ao nexo de causalidade entre o acidente ocorrido nas barragens da empresa‑requerida, o qual foi por ela confirmado por meio de notas oficiais, amplamente divulgadas em seu portal eletrônico, e a lastimável situação do Rio Doce, única fonte de captação de água para tratamento pelo Serviço Autônomo de Água e Esgoto do Município de Governador Valadares, cuja população está sendo privada do precioso bem de uso comum, indispensável para a vida.
Assim, não há dúvida de que tal fato, além de já ter causado grave lesão ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, pode trazer sequelas irreparáveis, inclusive, a perda de mais vidas humanas, em razão da indispensabilidade do consumo de água potável, ainda que apenas para fins emergenciais, como pretendido pelo requerente.
Finalmente, o deferimento da medida liminar, consistente em obrigações inegavelmente dispendiosas, não acarreta prejuízos irreparáveis para a requerida, eis que se trata de mineradora amplamente reconhecida no cenário mundial, que foi classificada em 2014 como a 10ª (décima) maior exportadora do país e teve um faturamento bruto de aproximadamente R$ 7.601.335.000,00 (sete bilhões, seiscentos e um milhões, trezentos e trinta e cinco mil reais) e lucro líquido de R$ 2.805.548.000,00 (dois bilhões, oitocentos e cinco milhões, quinhentos e quarenta e oito mil reais), dos quais mais da metade foi distribuído entre seus dois acionistas, conforme publicado no Relatório da Administração e Demonstrações Financeiras relativas ao ano exercício social do ano de 2014, disponibilizado no portal eletrônico da própria empresa.2
PELO EXPOSTO, defiro a liminar pleiteada para determinar à requerida que promova o monitoramento da água e forneça ao Município de Governador Valadares, no prazo de 72 (setenta e duas) horas, os recursos humanos e materiais para a efetivação do Plano de Emergência formulado pela Administração Municipal, sob pena de multa diária no valor de R$ 1.000.000,00 (um milhão de reais), nos seguintes termos:
1. 800.000 (oitocentos mil) litros de água/dia para os estabelecimentos de saúde, as escolas, os abrigos, o Corpo de Bombeiros e para a reserva estratégica do Serviço Autônomo de Água e Esgoto (SAAE);
2. 80 (oitenta) carregamentos de caminhões-pipa;
3. 80.000 (oitenta mil) litros de diesel (correspondendo a 100 litros/dia por carregamento/caminhão x 30 dias para busca da água da COPASA em Marilac, Frei Inocêncio e Ipatinga);
4. R$ 70.000,00 (setenta mil reais)/dia para comunicação;
5. Contratação de 100 (cem) agentes de endemias;
6. 50 (cinquenta) reservatórios de 30.000 (trinta mil) litros e bombas;
7. Veículo de tração 4x4 (para transportes de membros e equipamentos da defesa civil);
8. Barco com motor de popa e 6 coletes salva-vidas para os membros da defesa civil;
9. 130.000 (cento e trinta mil) “bombonas” de 50 (cinquenta) litros por dia para cada uma das 130.000 (cento e trinta mil) residências do Município de Governador Valadares;
10. Monitorar diariamente, pelo período mínimo de 30 (trinta) dias, a qualidade das águas em pontos definidos pelo Município de Governador Valadares, com remessa dos laudos respectivos ao Município e ao Ministério Público;
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