Acorda, Policial e Bombeiro Militar!


O verdadeiro desafio não é inserir uma idéia nova na mente militar, mas sim expelir a idéia antiga" (Lidell Hart)
Um verdadeiro amigo desabafa-se livremente, aconselha com justiça, ajuda prontamente, aventura-se com ousadia, aceita tudo com paciência, defende com coragem e continua amigo para sempre. William Penn.

terça-feira, 3 de novembro de 2015

Sexo em área militar não deveria ser crime, e sim infração administrativa

OPINIÃO



Divulgada no site do STF, a decisão é de 28 de outubro do corrente ano, feita a exposição nos seguintes termos: “Por maioria, na sessão desta quarta-feira (28), o Plenário do Supremo Tribunal Federal julgou parcialmente procedente a Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) 291, que questionava a constitucionalidade do artigo 235 do Código Penal Militar (CPM).
O Código trata como crime sexual a ‘pederastia ou outro ato de libidinagem’ e estabelece pena de detenção de seis meses a um ano ao ‘militar que praticar ou permitir que com ele se pratique ato libidinoso, homossexual ou não, em lugar sujeito a administração militar’. A Corte declarou como não recepcionados pela Constituição Federal os termos ‘pederastia ou outro’ e ‘homossexual ou não’, expressos no dispositivo do CPM. A ADPF, ajuizada pela Procuradoria Geral da República, alegava violação aos princípios da isonomia, liberdade, dignidade da pessoa humana, pluralidade e do direito à privacidade, e pedia que fosse declarada a não recepção do dispositivo pela Constituição de 1988. Mas também, subsidiariamente, pedia a declaração de inconstitucionalidade do termo ‘pederastia’ e da expressão ‘homossexual ou não’ na tipificação penal.
Para a PGR, a norma impugnada, um decreto-lei de 1969, foi editada no contexto histórico de um regime militar ditatorial, marcado pelo autoritarismo e pela intolerância às diferenças. O ministro Luís Roberto Barroso, relator do processo, apresentou voto, inicialmente, pela integral procedência do pedido da PGR. Para o ministro, a redação do artigo 235 do Código Penal Militar criminaliza o sexo consensual entre adultos, desde que ocorram em duas circunstâncias: o agente seja militar e o ato ocorra em lugar sujeito à administração militar.
Barroso citou que, na literalidade, o dispositivo criminaliza tanto atos homossexuais como heterossexuais. ‘A prática de ato sexual ou de atos libidinosos, ainda que consensuais, no local de trabalho, pode e frequentemente constituirá conduta imprópria, seja no ambiente civil ou militar, e no direito é um comportamento sancionado. No direito do trabalho, por exemplo, permite-se a rescisão do contrato de trabalho por justa causa nessa hipótese, portanto não está em discussão a possibilidade de se sancionar questão de conduta imprópria no local de trabalho e sim a natureza e o grau da sanção’, disse o ministro.
Barroso destacou ainda que há, no dispositivo impugnado do Código Militar, uma criminalização excessiva e citou que o Direito Penal constitui o último e mais drástico instrumento a ser utilizado pelo Estado. ‘A criminalização das condutas só deve ocorrer quando seja necessário, e quando não seja possível, proteger adequadamente o bem jurídico por outra via. Esse é o princípio da intervenção mínima do direito penal’. Contudo, a maioria dos ministros entendeu que o tipo penal deveria ser mantido, desde que invalidadas as expressões ‘pederastia ou outro’ e ‘homossexual ou não’, constantes no tipo penal, uma vez que têm caráter discriminatório. Assim, o relator alinhou-se ao entendimento majoritário, votando pela parcial procedência da ação.
O ministro Marco Aurélio, que também votou pela procedência parcial da ADPF, ressaltou que o STF tem atuado com ‘muita temperança’ quando em jogo a disciplina normativa militar, destacando que o artigo 235 do CPM visa proteger a administração militar, a disciplina e a hierarquia. Contudo, segundo ele, as expressões ‘pederastia’ e ‘homossexual ou não’, constantes no tipo penal, ofendem direitos fundamentais. Para ele, não seria o caso de se declarar a não recepção da norma na sua íntegra, mas apenas afastar as expressões que revelam postura discriminatória. Ficaram vencidos na votação os ministros Celso de Mello e Rosa Weber, que julgavam integralmente procedente a ação”.
Esta é exatamente a posição que tenho defendido, desde a primeira edição de meu Código Penal Militar Comentado. In verbis: “Pederastia ou outro ato de libidinagem. Art. 235. Praticar, ou permitir o militar que com ele se pratique ato libidinoso, homossexual ou não, em lugar sujeito a administração militar: Pena – detenção, de 6 (seis) meses a 1 (um) ano. O sujeito ativo é o militar; o passivo, a instituição militar. Tutela-se a moral sexual no cenário da caserna. O crime desrespeita, nitidamente, o princípio da intervenção mínima, pois o bem jurídico focado não possui nenhuma relevância penal. Em época de liberdade sexual, cada vez mais avançada, não se pode acolher a ideia de um tipo penal incriminador tutelando as relações íntimas de terceiros”.
Por certo, é inquestionável que, em lugar sujeito à administração militar, onde deve prosperar a disciplina rigorosa, não há cabimento para qualquer tipo de relacionamento sexual. Porém, tal infração deve ser punida, quando for o caso, na órbita administrativa; jamais na esfera penal, que deve ser considerada sempre a ultima ratio (a última opção para compor conflitos). Portanto, reputamos inconstitucional tal preceito penal. De todo modo, a conduta típica prevê a prática de qualquer ato libidinoso (ato capaz de gerar prazer sexual), nas mais variadas formas (conjunção carnal, coito anal, felação, beijo lascivo etc.). A inserção do termo homossexual é descabida e preconceituosa. Se a punição se volta a qualquer ato libidinoso, por óbvio ele pode ser homossexual ou heterossexual. A menção é proposital, com o fito de destacar a repulsa à pederastia na unidade militar, possivelmente o que mais assombra o quartel” (grifamos; nota 382 ao art. 235 do meu Código Penal Militar comentado). Propusemos a completa eliminação dessa figura como crime, passando a ser falta funcional, como ocorre em outras áreas do Direito.
Nesse sentido, votaram os Ministros Celso de Mello e Rosa Weber. Porém, prevaleceu a maioria, que, segundo também defendemos, haveria de ser extirpada a nítida homofobia existente nas expressões pederastia e homossexual ou não; afinal, se o problema é ter relação sexual no quartel, o que importa se são atos libidinosos homossexuais ou heterossexuais? Absolutamente nada, a não ser fixar o preconceito.
Guilherme Nucci é desembargador em São Paulo. Livre-docente em Direito Penal, doutor e mestre em Processo Penal.

Revista Consultor Jurídico

Nenhum comentário:

Postar um comentário

Seu comentário é sua opinião, que neste blog será respeitada

politicacidadaniaedignidade.blogspot.com