Não existe restrição em relação à investigação da maternidade, como se dava no direito anterior. A investigação é livre, não conhece restrições.
Sumário: 1- Noções Introdutórias; 2- Ação de Investigação de Maternidade. Direito Comparado; 3- Impugnação de Legitimidade; 4-Contestação da Maternidade.
1-NOÇÕES INTRODUTÓRIAS.
Em regra, dúvida não resta quanto à maternidade – mater semper certa. Daí dizer CLÓVIS BEVILÁQUA que “a certeza normal da maternidade torna raras as investigações judiciais com o objetivo de a declarar”. (Clóvis Beviláqua, Código Civil dos Estados Unidos do Brasil, comentários ao art. 364, pág. 817)
E CLÓVIS BEVILÁQUA ofereceu o seguinte exemplo: certa jovem, quando solteira, teve um filho com o seu sedutor. “Esse filho, oculto das vistas de todos foi criado por alguém de confiança dos avós. Mais tarde, a senhora casa-se, tem um procedimento digno, é respeitada pela sociedade, estimada pelo marido e adorada pelos filhos legítimos. Esse primeiro filho é ilegítimo, mas não adulterino. O Código não lhe dá, entretanto, ação para investigar a sua maternidade. Também não a dá o Código Civil mexicano…” (Clóvis Beviláqua, Código Civil cit., comentários ao art. 364, pág. 818)
No direito anterior a ação de investigação de maternidade era admitida, mas era proibida em dois casos: a) quanto tinha por fim atribuir prole ilegítima à mulher casada; b) quando tinha por fim atribuir prole incestuosa à mulher solteira.
As restrições eram compreensivas naqueles tempos, em que prevalecia a paz doméstica em detrimento da dignidade da pessoa humana.
No direito argentino, proibia-se demandar por filiação extramatrimonial contra mulher casada, o que estava no art. 320 do Código Civil.
No diploma civil de 1916 a mulher podia contestar a filiação, provando a falsidade do termo, ou das declarações neles contidas. (art.356)
Ensina WASHINGTON DE BARROS MONTEIRO, no estudo do direito anterior, e especificamente o art. 348, que qualquer pessoa podia promover a anulação do registro civil, quando havia alteração material das declarações nele contidas. Exemplificava que se uma pessoa comparecia a cartório e declarava o nascimento de uma criança, filha legítima do declarante e de sua mulher, quanto tal fato não se tinha verificado, havia uma falsidade, com alteração da verdade material das declarações. (Washington de Barros Monteiro, Curso de Direito Civil (Direito de Família) v. 2º, pág. 242)
Cuida-se da ação de impugnação de legitimidade que visa à filiação materna, cujo fim é provar que o filho não nasceu da mulher casada, “que aparenta ser sua mãe”. (Orlando Gomes, Direito de Família, pág. 226, n. 140)
Com a paridade entre os filhos, introduzida pelo Constituição Federal de 1988, não se distingue mais entre filhos naturais ou adotivos, havidos ou não no matrimônio, sendo proibidas quaisquer restrições discriminatórias à filiação. (art.227, § 6º) E a Lei n. 7.481, de 17 de outubro de 1989, permitiu o pleno reconhecimento de qualquer filho, “pondo por terra as discriminações contra os adulterinos e incestuosos, atingindo o art. 358 do Código Civil”. (Marco Aurelio S. Viana, Alimentos, Ação de Investigação de Paternidade e Maternidade, pág.21)
A Lei n. 8.069, de 13 de julho de 1990 (Estatuto da Criança e do Adolescente), no art. 27, fala em reconhecimento do estado de filiação, considerando-0 direito personalíssimo, indisponível e imprescritível, assegurando o seu exercício sem restrições.
No direito vigente prevalece a dignidade da pessoa humana e não mais a paz domésticas, que considerava a família um bem em si só.
2- AÇÃO DE INVESTIGAÇÃO DE MATERNIDADE. DIREITO COMPARADO
Não existe restrição em relação à investigação da maternidade, como se dava no direito anterior. A investigação é livre, não conhece restrições.
O Estatuto da Criança e do Adolescente, no art. 27, orienta-se nesse sentido, agasalhando a ação de investigação da paternidade e a investigação da maternidade. O art. 1.606 do Código Civil assegura ao filho o direito de ajuizar ação visando à prova de filiação, passando aos herdeiros, se ele morrer menor ou incapaz.
Se o filho iniciou a ação, os herdeiros poderá continua-la, ressalvada a hipótese de extinção do processo. (parágrafo único do art. 1.606)
É o que ensina ANTONIO CARLOS MATHIAS COLTRO, em comentários ao art. 1.606, dizendo que “conforme já dispunha o Código anterior, determina o art. 2002 caber ao filho e só a ele, enquanto vivo, a ação objetivando demonstrar quem são seus pais, seja qual for a natureza da filiação, supondo-se, assim, que eles não tenham reconhecido tal qualidade”. (Antonio Carlos Mathias Coltro, Comentários ao Código Civil Brasileiro. Rio: Forense, v. XIV, 2006)
O feito será ajuizado contra a pretensa mãe ou seus herdeiros, se ela não for casada, impondo-se a presença da perfilhante, quando o registro apresentar outra mulher como mãe. Se a mulher for casada, a ação envolverá o marido também, porque a paternidade ficará prejudicada. Se ele for falecida, no polo passivo o marido e os herdeiros.
É o que ensina ANTONIO CARLOS MATHIAS COLTRO, em comentários ao art. 1.606, dizendo que “conforme já dispunha o Código anterior, determina o art. 2002 caber ao filho e só a ele, enquanto vivo, a ação objetivando demonstrar quem são seus pais, seja qual for a natureza da filiação, supondo-se, assim, que eles não tenham reconhecido tal qualidade”. (Antônio Carlos Mathias Coltro, Comentários ao Código Civil Brasileiro. Rio: Forense, v. XIV, 2006)
Os meios de prova são aqueles admitidos para a ação de investigação de paternidade, inclusive as provas científicas.
Uma questão prática merece atenção: é o contrato de gestação, ou seja, uma mulher obriga-se, mediante um contrato, a renunciar ao estatuto de mãe e a ceder o filho, após o nascimento, a quem a contrata, ou a quem este indicar.
A nosso ver tal contrato é nulo, porque há uma afronta à dignidade humana. A mulher assume o mesmo papel destinado a qualquer espécie do reino animal, que é utilizado para a reprodução para fim comercial. É possível argumentar que a mãe pode permitir que seu filho seja adotado. Parece-nos, contudo, que as duas situações não se confundem. A adoção não envolve a gestação, mas resulta de uma situação de fato que indica ser o melhor caminho para o menor. No contrato de gestação a mulher se equipara a uma reprodutora. Recebe em seu ventre o óvulo de outra mulher, ou é o seu próprio, que é fecundado com o esperma de um desconhecido, ou mesmo do marido daquela que o tenha encomendado. O Congresso de Turim, realizado em 1990, recomendou que se faz necessário legislar a res- peito da mãe portadora, negando-se valor a esse tipo de contrato.
Em verdade estamos diante de uma nova situação, criada pelo avanço no campo da Engenharia Genética, que a legislação brasileira não soube solucionar, ainda.
Uma questão pode ser colocada: quem é a mãe? Aquela de cujo ventre sai a criança, ou a que cedeu o óvulo? O Código Civil português, no nº 1 do art. 1.796, estabelece que a filiação decorre do fato do nascimento, havendo predominância do fato biológico da maternidade.
A nosso ver essa é a solução correta em face dos princípios que envolvem a filiação no direito pátrio. Com pertinência ao vínculo da maternidade, a nosso ver se a mulher recebeu o óvulo fecundado pelo marido daquela que a contrata, o filho é, sob o prisma biológico, do casal que a contratou. Ela nada mais fez do que alugar o seu útero para que o embrião pudesse se desenvolver. Se ela foi fecundada por esperma do marido da mulher, o óvulo é dela, a locadora, e é ela é a mãe, biologicamente falando.
No direito português, ensina DIOGO LEITE DE CAMPOS, o n. 1º do artigo 1.796º do Código civil, “ao estabelecer que, relativamente à mãe, a filiação resultado facto do nascimento, afirma a total predominância do facto “biológico” da maternidade como determinante da criação do estado de filho. Facto “biológico” no sentido tradicional, já o vimos, pois, hoje, o ventre que albergou a gestação da criança pode ser diferente do ventre que albergou a estação da criança pode ser diferente do ventre de onde saiu o óvulo que, fecundado, gerou aquela criança”. (Diogo Leite de Campos, Lições de Direito da Família e das Sucessões, pág.337)
A sentença que julga procedente a ação de investigação de maternidade produz os mesmos efeitos do reconhecimento, mas, em razão da proteção devida ao menor, ela poderá dispor a respeito da criação e educação do filho, que pode se fazer fora da companhia dos pais, ou daquele que lhe contestou essa qualidade (art. 1.616 do CC).
No direito argentino, não se tem mais proibição de demandar por filiação extramatrimonial contra mulher casada. Observa MARIA JOSEFA MENDEZ COSTA que prevalece a realidade biológica, e, sobretudo, o direito do filho que goza de uma filiação estabelecida. Maria Josefa Mendez (La Filiacion. Santa Fe: Rubinza Y Culzoni S.C.C. Editores, pág. 279)
Em Portugal, o Código Civil disciplina a averiguação oficiosa da maternidade (art. 1.808), desconhecida do diploma civil pátrio. Admite a legislação brasileira averiguação oficiosa da paternidade, cuja disciplina se faz pela Le n. 8.560/92.
Se a maternidade não resultar de declaração, ela pode ser reconhecida em ação ajuizada, em especial, pelo filho, para esse efeito. (art.1817.º do CC), e será afora contra a pretensa mãe ou, se esta tiver falecido, contra o cônjuge sobrevivo não separado judicialmente de pessoas e bens e, também, de forma sucessiva, contra os descendentes, ascendentes ou irmãos. Não falta destas pessoas, é nomeado curador especial (art. 1819.º, 1). Existindo herdeiros ou legatários cujos direitos sejam atingidos pela procedência da ação, esta não produzirá efeitos contra eles se não tiverem sido também demandados. (Diogo Leite de Campos, Lições de Direito da Família e das Sucessões, pág. 343)
O doutrinador ensina, ainda, que a ação deve ser intentada também contra o marido. Se existir perfilhação, ainda contra o perfilhante, “se o filho tiver nascido ou sido concebido na constância do matrimônio da pretensa mãe (artigo 1822.º,1) Nestes termos, o filho estabelecerá, não só a sua maternidade, como também a sua paternidade, através do funcionamento da presunção de paternidade fixada no artigo 1826.º)”. (ob. Cit. pág. 343)
3- IMPUGNAÇÃO DE LEGITIMIDADE.
ORLANDO GOMES observa que “assim como o verdadeiro estado do filho pode ser reclamado, provando ele que a aparência não corresponde à realidade, seu aparente estado de filho legítimo é suscetível de impugnação por terceiro interessado, desde que seja dirigida ao vínculo da maternidade”. (Orlando Gomes, Direito de Família, pág. 226, n. 140)
O que se busca com o pedido de impugnação de legitimidade é destruir a presunção de veracidades contidas no registro de nascimento, que goza de fé pública, quando há alteração da verdade, obtendo a anulação ou reforma do assento ou do termo de nascimento, atendido o procedimento previsto no art. 113 da Lei dos Registros Públicos. (Regina Beatriz Tavares da Silva, Novo Código Civil Comentado, pág. 1467)
Ataca-se o vínculo da maternidade, provando que “o filho não nasceu da mulher casada, que aparenta ser sua mãe”. (Orlando Gomes, Direito de Família cit., pág. 226, n. 140)
Em que pese não se fazer distinção entre filho legítimo e ilegítimo, não fica afastado o interesse de se atacar o vínculo da maternidade.
Os fundamentos variam: falta de identidade entre a criança nascida da mulher e a pessoa que ostenta a condição de filho. É o caso de substituição de recém-nascido; simulação de parto: o filho não nasceu da esposa: falsidade instrumental ou ideológica do assento do nascimento, em que a pessoa passa por filho do casal e não o é. Esta última hipótese é muito comum, porque casais sem filhos têm lançado mão dessa solução. Trata-se, ainda, de ilícito penal. (cf. Marco Aurelio S. Viana, Da pessoa natural, cit.p. 27; Orlando Gomes, Direito de família, cit., p. 227, Planiol, Traité cit. t. 1, p. 491); nascimento do filho mais de trezentos dias após a dissolução da sociedade conjugal.
O Estatuto da Criança e do Adolescente assegura o reconhecimento do estado de filiação de forma ampla (sem restrição), o que envolve a maternidade e a paternidade.
A ação pode ser ajuizada contra a mulher casada, a pretensa mãe ou seus herdeiros, devendo participar do feito o perfilhante, quando o Registro apresentar outra mulher como mãe. Se a mulher for casada, a ação será ajuizada contra o marido, também, porque a paternidade pode ficar prejudicada. Se já falecida, o polo passivo terá o marido e os herdeiros.
Os meios de prova são os admitidos em direito, entre eles as provas científicas.
A ação é imprescritível
No direito português se a maternidade estabelecida mediante declaração (art. 1803º e seguintes do CC) não for verdadeira, ela pode ser a todo tempo impugnada em juízo.
A legitimidade ativa é da pessoa declarada como mãe, do registado, por quem tiver interesse moral ou patrimonial na procedência da ação, ou pelo Ministério Público (art. 1807º do CC.) (Diogo Leite de Campos, Lições de Direito de Família e das Sucessões citt.., pag. 340)
No direito argentino, os artigos 261 e 262 contemplam a impugnação da maternidade, havendo correlação com o art. 242 relativos à determinação da filiação materna para inscrição do nascimento com os requisitos que estabelece, texto que cobre tanto a matrimonial como a extramatrimonial, dando, no primeiro caso, origem à presunção de paternidade patrimonial. (art. 243)
Desta correlação resultaria que ambas as normas sobre impugnação da maternidade seriam aplicáveis também à filiação dentro e fora do matrimônio. Observa MARIA JOSEFA MENDEZ COSTA que tal amplitude é inexata, sem embargo, porque a impugnação de maternidade extramatrimonial corresponde a uma suposta impugnação de reconhecimento. (Maria Josefa Mendez Costa, La Filiacion cit., pág. 346, n. 208)
4- CONTESTAÇÃO DA MATERNIDADE.
O art. 1.608 do Código Civil (art.356 do CC/1916) legitima ativamente, a mãe, para contestar a maternidade.
Em comentários ao art. 356 do Código de 1916, CLÓVIS BEVILÁQUA observava que “a maternidade é, ordinariamente, notória. Por isso mesmo, é escusado o reconhecimento por ato especial. O termo de nascimento faz prova suficiente, porque, sempre, indicará, o nome da mãe, se não se tratar de uma criança exposta ou encontrada em abandono. Qui nascitur sine legitimo matrimonio matrem sequatur, prescreve o fragmento 21, D. 1, Vulgo quaesitus matrem sequitur disse, antes, o fragamento 19, ejusdem tituli”. (Clóvis Beviláqua, Código Civil cit., comentários ao art. 356, pág. 801)
O Código de 2002 repete a regra e admite permite que a mãe conteste a paternidade que conste de termo de nascimento, desde que prove que o termo é falso, ou que são falsas as declarações que nele estejam contidas.
CAIO MÁRIO DA SILVA PEREIRA chama a atenção para a redação do art. 1.608, entendendo que as limitações indicadas no dispositivo legal (“a mãe só pode contestar a maternidade, provando a falsidade do termo ou das declarações nele contida”), “são questionáveis se considerarmos as conquistas científicas, sobretudo aquelas vinculadas à inseminação artificial”. (Caio Mário da Silva Pereira, Instituições cit. – Direito de Família, vol. II, pág. 331, n.410)
No que diz respeito à inseminação artificial, e ao contrato de gestação, ao qual se reporta o jurista, o tema já foi abordado no n. 1, supra.
O termo de nascimento assegura a presunção de maternidade em relação à quem nele conste como mãe, e somente com o reconhecimento judicialmente da falsidade do termo ou das declarações que nele se contem é que a presunção cai por terra.
Atingida a maternidade, prejudicada fica a paternidade, se existente, o que reflete no estado então existente.
A ação é imprescritível.
Fonte: https://jus.com.br/artigos/47324/acao-de-investigacao-de-maternidade?utm_source=boletim-diario&utm_medium=newsletter&utm_content=titulo&utm_campaign=boletim-diario_2016-03-25
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