10
A extinção do Ministério da Cultura por decisão do presidente interino Michel Temer provocou uma chuva de críticas da classe artística, mas também foi defendida por políticos e cidadãos que criticavam o papel da pasta de supostamente privilegiar artistas e produtores culturais alinhados ao PT através, principalmente, da aprovação de projetos pela Lei Rouanet.
Anunciado nesta quarta-feira (18), o novo secretário nacional de cultura, Marcelo Calero, destacou a importância da Rouanet como principal mecanismo de fomento a atividades culturais do país e disse que a lei é vítima de uma "satanização" por parte de setores da sociedade.
Críticos dos governos de Dilma e Lula –período em que os valores totais de projetos aprovados por ano pela Lei Rouanetsaltaram de R$ 2 bilhões a R$ 5 bilhões–, defendem que o mecanismo é mais uma maneira de artistas "de esquerda mamarem nas tetas do governo".
Concordando-se ou não com a lei –que inclusive estava para ser reformada no Senado, após uma década de debates conduzidos pelo ex-ministro Juca Ferreira–, é inegável que há uma boa dose de desinformação circulando nessas discussões.
O UOL esclarece abaixo algumas das principais dúvidas, imprecisões e mitos em relação à Lei Rouanet:
1) O que é a Lei Rouanet?
Lei Rouanet é o nome pelo qual é mais conhecida a Lei Federal de Incentivo à Cultura, de nº 8.313, criada em 1991, durante o governo de Fernando Collor de Mello. O nome é uma homenagem ao então secretário Nacional de Cultura, o diplomata e filósofo Sérgio Paulo Rouanet, que propôs a lei. Entre outras políticas culturais, a Lei Rouanet estabelece que empresas e cidadãos do Brasil possam doar parte de seu imposto de renda - 4% para pessoas jurídicas, 6% para pessoas físicas - para apoiar projetos culturais. Quando dizemos que um projeto foi aprovado pela Lei Rouanet, isso significa que o governo autorizou a pessoa que propôs aquele projeto a captar patrocínio privado para viabilizar seu trabalho. O governo não dá dinheiro diretamente ao projeto. Se não houver patrocinador interessado, o projeto não é viabilizado - ao menos não com a verba de renúncia fiscal.
2) Lei Rouanet é "coisa do PT"?
Não. A Lei Rouanet tem perfil neoliberal e foi criada durante o governo Collor, que era do PRN. Também foi amplamente utilizada durante os anos do governo de Fernando Henrique Cardoso (PSDB). Em 1992, primeiro ano de vigor da lei, apenas 11 projetos foram aprovados para captar recursos. Em 2015 foram 5,4 mil.
Evolução do número de projetos (esq.) e os valores de captação aprovados, em R$, desde a criação da Lei Rouanet(Fonte: MinC)
3) Como e quem decide quais projetos serão apoiados ou não?
Um projeto enviado para a Lei Rouanet passa por quatro etapas. A primeira é a de admissibilidade, na qual verifica-se se o projeto tem realmente características culturais. A segunda é técnica, feita por uma unidade vinculada ao MinC (Iphan, Funarte, Ibram), e que também pode se apoiar em um parecer externo (há um banco de pareceristas do Brasil inteiro que ajuda na escolha). Se o projeto estiver em conformidade com a lei e com as práticas do mercado, ele segue para análise da Comissão Nacional de Incentivo à Cultura, metade formada por representantes de todas as áreas e membros de associações do Brasil todo, metade por técnicos do sistema MinC. A CNIC recomenda, do ponto de vista legal, a aprovação, a não-aprovação ou a aprovação com cortes do projeto. A decisão final é do ministério –a praxe é que o que a CNIC recomenda, o MinC segue.
4) Artista famoso pode pleitear recursos da Lei Rouanet?
Pode. Não existe nenhum impedimento no texto da lei. A "fama" não é critério de análise, por prever um juízo subjetivo, e nem garantia de financiamento. Muitos atores de destaque em novelas da Rede Globo, por exemplo, têm dificuldade para captar recursos para projetos de teatro. O senso comum diz que é fácil para quem é famoso, mas não há garantias. Se, na análise do projeto, a proposta for considerada de viabilidade comercial, o artista famoso pode ter o projeto recusado, mas a fama não é uma condição prévia para a negativa.
5) Projeto aprovado pela Lei Rouanet pode dar lucro?
Pode. Quando a lei foi criada, já previa que os projetos podiam dar lucro, por isso possui dois mecanismos nos quais o lucro é possível. Um terceiro mecanismo, o Fundo Nacional de Cultura, serviria para estimular aquelas atividades das quais o mercado não dava conta, e a possibilidade de atrair investimento privado na forma de patrocínio. Em fevereiro deste ano, porém, o Tribunal de Contas da União proibiu que eventos culturais com "potencial lucrativo" ou que "possam atrair investimento privado" sejam passíveis de receber recursos da Lei Rouanet. A decisão teve como base a renúncia fiscal dada pelo governo federal em 2011 para o festival de música Rock in Rio, que recebeu incentivos de R$ 34 milhões. O entendimento é que está vetado o lucro exorbitante.
6) A Lei Rouanet só beneficia os "amigos" do governo?
Não. Entre os maiores utilizadores da lei, estão os bancos Itaú e Bradesco e a Fundação Roberto Marinho (da Rede Globo). Na verdade, boa parte das grandes empresas usa o sistema de renúncia fiscal para financiar atividades em seus institutos e instituições culturais, e artistas hostis às últimas gestões (como o produtor Claudio Botelho, por exemplo) nunca tiveram problemas para financiar seus espetáculos com o sistema. Não há registro de artista que tenha se queixado publicamente de perseguição por motivos políticos na triagem de seus projetos.
7) A Lei Rouanet tira dinheiro da Saúde e da Educação?
Indiretamente, sim. É preciso observar, contudo, que há um teto de incentivo definido pelo Orçamento da União, que arbitra de quanto se vai abrir mão de arrecadação todo ano para cada setor, seja o cultural, seja para a indústria automobilística, esporte ou programas da criança e adolescente. A renúncia fiscal para a cultura, cabe observar, é um dos menores volumes de recursos do orçamento.
8) Com as recentes mudanças no governo de Temer, como fica a Lei Rouanet?
A Lei Rouanet não sofreu qualquer mudança. O problema maior é que sua sistematização e funcionamento exigiam o envolvimento do maior número de servidores do MinC, além de alta qualificação. Esses servidores estão afastados, assim como a sistemática de aprovação de projetos está parada. Retomar isso pode demorar dias, se houver acordo entre a gestão que saiu e a atual, ou levar meses, se houver resistência. A reativação do sistema vai depender também do grau de subordinação da Secretaria de Cultura ao Ministério da Educação ou ao órgão ao qual se decidir que ficará ligada (e, obviamente, ao volume de recursos que a estrutura terá).
FONTE: UOL
Nenhum comentário:
Postar um comentário
Seu comentário é sua opinião, que neste blog será respeitada