No último dia 25 o Blog Flit Paralisante, veículo antigo para aqueles que acompanham o tema Segurança Pública, publicou um e-mail que recebeu de um Cadete da da Academia de Polícia Rio Branco, berço da formação dos Oficiais de Polícia Militar do Estado de São Paulo.
No e-mail o denunciante relata o suicídio do colega, Cadete Maximilian, após sofrer perseguição e descreve uma sequência de erros e insensibilidade, como não permitir que os colegas fossem ao enterro do colega, que foi chamado de "covarde" por um superior que dava a notícia de sua morte.
A academia manteve suas atividades normalmente, ignorando o sofrimento de colegas de turma que conviveram com Maximilan por três anos. Mas pelo relato, o pior ainda estava por vir:
Isso é absurdamente grave. Mas o que está ruim, sempre pode piorar. Após esta denúncia — que foi retirada do ar no Flit, mas permanece em outros blogs policiais — os Cadetes começaram a sofrer represálias por terem tornado estas arbitrariedades públicas. O Flit Paralisante então recebeu outro pedido de socorro.
Sou Cadete da Academia de Polícia Militar do Barro Branco, e venho através deste meio de comunicação fazer uma séria denúncia. Fui obrigado a utilizar esta forma pois, como já aconteceu, toda a escola sofreu represálias quando tentaram externar os abusos que ocorrem intramuros desta escola de comandantes. No mês de março tentaram denunciar aqui, neste blog, algumas irregularidades que ocorrem na APMBB, e em decorrência disto sofremos castigos psicológicos, físicos e ameaças por parte do comando da academia, no sentido de que fariam de nossas vidas um inferno caso continuássemos contrariando as arbitrariedades impostas pelo comando.
O Cadete listou as represálias que estão sofrendo:
De acordo com ele, a única coisa que melhorou foi a comida:
A alimentação foi a única coisa que melhorou após a denúncia feita em março, pois já foram encontrados pedaços de rato, baratas, grampos metálicos, e outros insetos não identificados, e sendo tudo levado ao conhecimento do Comando da Academia (que nada fazia), mas após a denúncia por enquanto não encontramos nada estranho, até o momento.
É um absurdo que o Governo do Estado de São Paulo trate agentes públicos de tal forma. É claramente uma violação de direitos humanos. É um crime.
O tratamento com os futuros Oficiais é muito ruim, com palavras de baixo calão, intimidações, ameaças, desgaste físico desnecessário, e o que realmente importa (que é o aprendizado em sala de aula) esta sendo prejudicado, pois toda energia do aluno é gasta de forma arcaica, burra e desnecessária.
O cadete faz um questionamento que é o cerne do que tem se discutido sobre Segurança Pública e militarização no país: Que tipo de Oficiais serão formados com este tratamento que fere a dignidade da pessoa humana?
E se os policiais fizerem com a população o que aprendem com os comandantes da APMBB?
Vários alunos, inclusive do último ano do curso estão se desligando, fato que, de acordo com o denunciante, era raro. O que agrava a situação é que este pode não ser um caso isolado. De acordo com o cadete, no ano passado uma aluna foi encontrada com a arma na mão, dentro da sala de aula, totalmente transtornada, sendo impedida de fazer algo pior pelas colegas que entraram na sala naquele momento. Na segunda feira do dia 25/4/2016, um outro aluno se suicidou quando vinha pra academia, e temos certeza que o fator determinante para tal tragédia (chamada de “pequeno incidente ” perante todos os alunos e Oficiais da Academia) temos convicção que o principal fator que o levou a tomar essa decisão foi o tratamento desumano oferecido em abundância pela APMBB.
Isso tem circulado entre os Blogs Policiais há algum tempo. Mas como a entrada de equipamentos eletrônicos é proibida em algumas dependências da Academia, fica difícil produzir provas dos abusos. Os cadetes disseram que estão tentando juntar o máximo de indícios e encaminhar à imprensa e tornar públicos os abusos. E infelizmente as arbitrariedades não estão restritas apenas a SP.
Rio de Janeiro
Me lembro que entre 2008 e 2011 a Blogosfera Policial bombava no Twitter. Era uma época em que muitos policiais tinham Blogs e discutiam sobre Segurança Pública. Era uma discussão tão rica que em 2009, Unesco e Cesec, lançaram a pesquisa "A Blogosfera Policial no Brasil: Do Tiro ao Twitter", que avaliava o papel dos Blogs nesta discussão.
Muitos Comandos não gostaram muito da ideia. Como foi o Caso da Polícia Militar do Rio de Janeiro. Em 25 de março de 2010, o Tenente da PM da Bahia e idealizador do excelente Abordagem Policial, Danillo Ferreira fez uma lista — a Twittosfera Policial — e listou pessoas que discutiam Segurança no Twitter. Em 13 de outubro do mesmo ano, um dos policiais listados, o então Capitão Alexandre (Hoje Major), foi preso por fazer comentários no Twitter. Sentença: 20 dias de prisão. De acordo com matéria publicada no Estadãosobre, a justificativa foi:
De acordo com o Boletim Interno, o militar foi punido “pelo fato de haver veiculado em canal de mídia particular mensagens com conteúdo negativo, depreciativo e irônico sobre ato legal do Comandante”. Segundo o capitão, o comentário que levou à punição foi sobre a nomeação como Oficial de Ligação entre o Comando Geral da PM e o Instituto de Segurança Pública.
Outro listado, o @BocaDeSabão, que denunciava arbitrariedades e crimes cometidos por Policiais Militares do Estado do Rio também foi silenciado. O perfil, que era administrado por vários policiais, se calou em em 15 de março de 2011.
E isso NÃO TEM A VER COM MILITARIZAÇÃO. O Delegado de Polícia do Rio, Delegado Pinho, também sofreu sanções em 2010. O policial defendia eleições para a escolha do chefe da Polícia Civil e pedia que a corregedoria interna fosse independente. "Sentença": o delegado foi transferido do cargo de titular de uma importante delegacia da zona oeste (33.ª DP, Realengo) para o Departamento Geral de Polícia da Capital, sem função oficial. À época a instituição não comentou o assunto, mas o delegado, por meio do Twitter, negou ter sido censurado. “Deixei claro que não recebi qualquer censura por causa do Twitter”, respondeu.
Ciclo de Arbitrariedades
Os cadetes sofrem violações, denunciam e são punidos. É a máquina de moer gente a todo vapor. O Estado quebra os cadetes e os treinam pra quebrar os cidadãos nas ruas. Mas como toda arbitrariedade isso não acaba bem.
Orlando Zaccone, também Delegado de Polícia no Rio de Janeiro escreveu umtexto no Jornal O Dia, que trata disso muito bem e do qual destaco parte:
Punir policiais que são identificados no abuso do uso da força, inclusive a letal, não vai resolver o problema. Muito pelo contrário, punir policiais é a forma que o Estado tem de não se comprometer com a sua própria política. Os policiais ficam assim numa zona de anomia. Ao exterminarem os inimigos indesejáveis, ganham reconhecimento e promoção. Mas se não conseguirem provar que o pedreiro era traficante, que o dançarino era traficante e que a dona de casa era traficante, o destino é o sistema prisional, a exoneração e o escárnio público.
É isso: Punir policiais que são identificados no abuso do uso da força, inclusive a letal, não vai resolver o problema. Estamos enxugando gelo.
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