Por Iverson Kech Ferreira
Muito solicitado em concursos e em provas do exame da ordem, o principio da adequação social ganha cada vez mais espaço numa sociedade que se emoldura conforme a passagem dos dias e dos novos personagens que dela fazem parte.
Segundo Welzel, o direito penal deve tipificar apenas condutas que tenham certa relevância social, caso contrário estas condutas não podem ser definidas como delituosas.
Dessa forma, construir uma adequação de algumas praticas socialmente aceitas para que não se constituam em delito, ainda que tipificadas como delituosas em si, é aceitar que existem determinados casos onde o direito entende afrouxar o mecanismo penal que poderia, por lei, agir contrario a esses atos. Aqui a intervenção mínima do direito das penas e de sua força é requisitada, uma vez que certas atitudes são aceitas pelas pessoas que convivem no trato social, em virtude da cultura que atravessa os séculos e se amolda no cotidiano de todos.
Conforme o crescimento populacional e a crescente globalização, o estabelecimento de novas ordens e culturas, mesmo que minorias em uma sociedade, como exemplo, retirantes e imigrantes, pessoas antes viventes em outras paragens agora próximas e construindo seu futuro dentro de uma nova sociedade para elas, trazem consigo a pluralidade de formas de encarar situações ou vivenciar a vida, diferente daqueles que vivem há muito mais tempo nessa mesma sociedade.
Noutro sentido, os novos direitos que se amoldam ás praticas antes tidas como desviantes de certas culturas ou minorias estão cada vez mais inseridos nas práxis da maioria, que os aceitam por intermédio da resignação, a princípio.
Justamente motivado pela evolução social enquanto paradigma de uma mudança refletida lentamente no direito, certos atos passaram a ser considerados atípicos, pois não há que se falar em crime. Ao assistir uma luta de boxe insignificante é a relevância para o direito penal o ato lesivo de um lutador contra seu oponente, da mesma forma, furar a orelha da filha para o uso dos brincos é algo comum, mas ainda assim tipificado no Código Penal, com pena disposta e um processo capaz de interferir, todavia, é aceitável plenamente.
Em outras culturas, inúmeros são os exemplos de fatos aceitos plenamente mas que para outros tantos são abomináveis. Essa diversidade quando se encontra geralmente é pautada pelo choque e pelo receio do estranho, num sentimento de negação. Mulheres que utilizam a burca podem vir a ser estigmatizadas por seu aparato cultural que, ainda que crime nenhum ocorra, a sentença social contraria advêm das origens dessas mulheres. Com o tempo, essa diferença tende a ser minimizada pela convivência e resignação, se amoldando de certo modo á cultura dominante. Quer dizer, em síntese, que a versatilidade pode ser aceita como forma de remodelação da ordem dominante, a longo prazo.
Isto posto, condutas que não interferem no âmbito social mínimo são condicionadas e entendidas pelo sistema penal como insignificantes e ambiguamente, adequadas.
Uma conduta insignificante realizada por alguém do grupo dominante é tida como adequada socialmente enquanto no interior de seu convívio com a maioria. Todavia, muitas vezes, práticas dos estrangeiros em nova terra, mesmo que aceitas tanto em sua cultura quanto da sua nova sociedade, podem ser consideradas como inadequadas, puníveis e culpáveis.
O uso da burca, por exemplo, até que entre no marasmo da convivência e aceitação/resignação, tende a ser vista como comportamento antissocial e até mesmo criminoso, considerando a raiz do costume e a infeliz estigmatização do povo muçulmano nos últimos tempos.
Também, haitianos sentados num banco de uma praça após seu serviço, (geralmente nas novas culturas passam a aceitar trabalhos braçais quais geralmente nunca tiveram contato em seu país de origem, mas que por questão de sobrevivência aqui é necessário que as aceitem) podem estar realizando atividades licitas, aceitas e não tipificadas, mas que dependendo da maneira e da vontade com a qual enxergam os estabelecidos, é típica, ilícita e culpável, como o crime de vadiagem, previsto ainda em nosso ordenamento. ( Art. 59, Lei de Contravenções Penais)
Com o passar dos tempos há a possibilidade de culturalmente atitudes similares passem a ser notadas como normais, todavia até lá, a adequação social em fatos como o descrito pode ser inexistente.
As transformações da sociedade são necessárias e consequência da convivência mútua, sempre em ação e nunca estática. O exemplo do adultério é emblemático quando se enxerga as mudanças sociais de hábitos, quando em outra cultura essa pratica é extremamente aceitável e ainda, solidificador de status e garantia de posição social.
O principio da insignificância enxerga de quatro formas a ação proferida: (a) a mínima ofensividade da conduta do agente, (b) nenhuma periculosidade social da ação, (c) o reduzidíssimo grau de reprovabilidade do comportamento e (d) a inexpressividade da lesão jurídica provocada. Ao tratar o grau mínimo de reprovação do comportamento, tal entendimento se apodera de uma pratica comportamental que é desenhada através dos séculos até nossa atualidade, moldando assim o que é correto em coletividade e o que não é. Aqui se trata a liberdade e o seu quinhão que no contrato social cada individuo cede uma quantia, estabelecendo o Estado como o real organizador das soberanias individuais. O aspecto fica claro quando há o choque de duas culturas, num país continente como o Brasil, onde a pratica de um não coincide nem um pouco com a de outrem.
Alie-se isso com o medo do estranho e com a indignação crescente da sociedade com as mazelas do dia a dia, tem-se a dinamite prestes a explodir contra os negligenciados e estereotipados diferentes, de outras culturas, de outras paragens. Assim, as praticas diferentes desses não são aceitas, consideradas então pelo Direito Penal e seus poderes sancionadores e seletivos como os entes a serem combatidos, por exclusão.
Mais uma vez, com o passar dos tempos pode ser que culturalmente exista ainda a resignação, na pior das hipóteses do outro, porem ainda o principio da insignificância, nesses casos, também inexiste.
Ao monopolizar soluções dos dilemas jurídicos, como os expostos novos direitos e minorias, o Estado consiste em formar, de maneira neutra e consciente, uma nova estrutura de aceitação implícita, que se perfaz somente na legitimação e consensualidade das discussões que devem ocorrer em espaços públicos, cedendo total apoio a essas forças emergentes e que clamam por tais direitos. Nesse sentido, é preciso pensar os conceitos de construção democrática e de cidadania na perspectiva de qual sociedade queremos de fato para nós.
A ampla cidadania e soberania das culturas que não ferem a ordem constitucional delimitada devem ser regidas como proteção, para que princípios como os estudados acima venham a ser utilizados em prol dessas minorias, de fato, para a pratica de uma sociedade mais justa e solidária.
REFERÊNCIAS
BAUMAN, Zygmunt. Em busca da Política. Rio de Janeiro: Zahar, 2000.
BITENCOURT, Cezar Roberto. Tratado de Direito Penal: parte geral. 15. Ed. Vol. 1. São Paulo: Saraiva, 2010.
Fonte: Canal Ciências Criminais
Portal jurídico de notícias e artigos voltados à esfera criminal: www.canalcienciascriminais.com.br
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