A comissão responsável pela elaboração do anteprojeto de reforma do Código Penal concluiu que a matéria de Direito Militar é muito específica e que o melhor seria ela ter um tratamento especial em código penal próprio. A previsão é que o Senado Federal aprecie o projeto de lei ordinária do novo Código Penal no segundo semestre deste ano.
Segundo o desembargador do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro José Muiños Piñeiro Filho, integrante da comissão, o projeto prevê muitas mudanças. Segundo entendimento da comissão de juristas, o emaranhado de leis penais cria toda uma sistemática que prejudica a aplicação da lei e cria distorções para a própria justiça. “O novo código penal passará a ter no máximo a vinte leis penais”, afirma Piñero.
O projeto também descriminaliza muitas condutas. “Hoje temos quase dois mil crimes previsto no código. O projeto reduz isso para pouco mais de oitocentos tipos”. O desembargador diz que a revogação não é uma simples uma descriminalizão generalizada. “Tornamos relevante no âmbito penal aquilo que a sociedade quer realmente reprimir. Foram retiradas muitas contravenções que não têm mais razão de ser”.
Código Penal Militar preservado
A comissão resolveu não revogar o Código Penal Militar e também não incorporá-lo ao novo texto do código penal comum . O desembargador disse que a comissão chegou à conclusão de que a matéria militar é muito especifica e que melhor seria ela ter um tratamento especial. “A vida militar, a vida castrense, tem peculiaridades que a legislação comum não deve tocar, sob pena de se criar situações complicadas à simetria”, afirma.
Sobre uma possível extinção da Justiça Militar, o jurista diz ser inteiramente contra. “O que me parece é que a crítica que está sendo feita é sobre questões estruturais, de números de processo, ampliação ou não de tribunais. Isso a meu ver é periférico, como é para Justiça Federal e estadual”. Segundo ele, a Justiça Militar tem que ter um tratamento diferenciado e privilegiado.
Contribuição para a legislação penal
O Direito Penal e Processual Penal foi tema de seminário no Rio de Janeiro, reunindo juristas de diversos ramos do Direito. José Carlos Couto de Carvalho, subprocurador-geral aposentado da Justiça Militar da União, afirmou que o Direito Penal Militar ofereceu contribuições importantes à legislação penal comum em nosso país. Couto explicou que em 1969, duas comissões foram formadas para reformar os Códigos Penal e Penal Militar.
Entretanto, apenas o último entrou em vigor. “O CPM teve a primazia de introduzir uma série de disposições que trouxeram avanços ao Direito. Alguns colegas que não conhecem o CPM ficam impressionados quando comento sobre algumas figuras que temos no Código”, afirmou.
A principal delas se encontra no artigo 34 do CPM. Esse artigo afastou de vez a responsabilidade objetiva do direito penal militar, ao estabelecer que “pelos resultados que agravam especialmente as penas só responde o agente quando os houver causado, pelo menos, culposamente”. Tal inovação só passou a constar no Código Penal comum com a reforma da parte geral em 1984.
Outra inovação do CPM diz respeito à periculosidade. No Código Penal Militar, ela é real, deve ser verificada pelo juiz para aplicação de medida de segurança para inimputáveis, de acordo com o artigo 112. Já a legislação comum determina que se o agente é inimputável, o juiz determinará sua internação (artigo 97 do Código Penal).
O professor de Direito Penal Militar ponderou que o Código necessita de atualizações para se adaptar ao novo ordenamento jurídico nacional, já que data de 1969. Ele integra a Comissão criada no STM para revisar a legislação penal militar. O subprocurador informou que a parte referente ao CPM já foi concluída e agora os integrantes passaram ao estudo do Código de Processo Penal Militar.
Reforma da lei penal militar
A presidente da Comissão de Reforma do Código Penal Militar, formada no Superior Tribunal Militar, Maria Elizabeth Rocha defende uma reforma da lei penal militar e ampliação da competência da Justiça Militar. “Trata-se de uma unificação por pertinência temática. Tanto o crime militar quanto a infração disciplinar ferem os princípios basilares da hierarquia e da disciplina. A Justiça Militar da União detém o conhecimento técnico para processar ambos. Além disso, as justiças militares estaduais já julgam esse tipo de infração, o que cria uma jurisprudência dupla”, justifica. Atualmente, a Justiça Federal é quem detém tal competência de julgar infrações disciplinares de militares das Forças Armadas.
A ministra do STM defendeu também a possibilidade da transposição de leis extravagantes ao Código Penal Militar, por meio de uma alteração do artigo 9 do diploma legal. Dessa forma, seria possível trazer a lei dos crimes hediondos e de crimes ambientais, por exemplo, para a legislação penal militar, sem a necessidade de se fazer alterações sucessivas no texto do Código.
Ela também acredita que as militares agredidas no contexto doméstico por companheiros militares devem ser protegidas pela Lei Maria da Penha. “Eu defendo com veemência que o fato das mulheres integrarem a carreira militar não impede que sejam vitimas de agressão por companheiros militares dentro de casa. No âmbito do lar, a lei Maria da Penha deveria ser aplicada, não o CPM, e o foro declinado para a Justiça comum. Estamos criando duas categorias de mulheres, já que a Lei Maria da Penha prevê punições muito mais rígidas contra os agressores”, destacou a ministra.
As conclusões da Comissão de Reforma do Código Penal serão apresentadas ao Plenário do STM e posteriormente, enviadas como sugestão ao Congresso Nacional. A comissão que proporá mudanças ao Código de Processo Penal Militar será presidida pelo ministro Artur Vidigal de Oliveira.
Crimes contra dignidade sexual
O professor e doutor em Direito Penal Cezar Roberto Bittencourt acredita que a legislação brasileira avançou em relação aos crimes contra a dignidade sexual, entretanto, ela ainda continua “hipócrita” em certos aspectos.
O professor afirma que em relação a gravidade dos crimes violentos contra a dignidade sexual, a legislação brasileira é satisfatória. Por outro lado, continua cometendo alguns “equívocos”. O Código Penal, por exemplo, pune o relacionamento sexual com pessoas com mais de catorze e menos de dezoito anos, mesmo sem violência.
“Outra coisa que me parece totalmente ultrapassada é criminalizar a prostituição. A rigor, ser prostituta não é crime, mas qualquer coisa que se tenha para facilitar o trabalho dela é crime. Então, ela é condenada a ser explorada por alguém, morar em lugares insalubres, impedindo que tenha uma vida mais regular”.
Bittencourt ressaltou a importância do bem jurídico defendido por esse tipo de legislação, já que os crimes sexuais ferem a liberdade e a dignidade da pessoa. “Não tem sentido falar em dignidade humana sem falar da dignidade sexual, na liberdade do exercício da própria sexualidade”.
O especialista ressaltou que o sexo é um dos atributos mais valiosos da natureza e tem a capacidade de trazer alegria e fazer com que os seres humanos sejam melhores. “Entretanto, ele só tem essa capacidade quando o exercício da sexualidade é voluntário, consentido, desejado e quando a prática é saudável. Não há nada mais degradante, mais demolidor que a violência sexual. As outras violências são superadas, mas essa não, porque atinge a dignidade, o âmago de cada um, a intimidade”.
Direitos durante a Ditadura Militar
O criminalista Técio Lins e Silva deu um depoimento emocionado ao relembrar a atuação do STM e Auditorias durante o período da Ditadura. Segundo ele, a Justiça Militar assegurou o pleno exercício da advocacia naquele período.
O julgamento dos acusados de infringirem a Lei de Segurança Nacional era de responsabilidade da Justiça Militar. “Eram tempos politicamente difíceis, nós atendíamos muitos clientes gratuitamente, os perseguidos políticos. E o papel que a Justiça Militar desempenhou nesses 20 anos de regime foi o de garantir o papel da defesa e a honradez no exame dos processos e na aplicação da lei”, asseverou.
Então veio o Ato Institucional Número 5 e junto com ele, o período mais duro do regime, suspendendo a concessão dehabeas corpus. “O que nós fazíamos? Fazíamos uma petições, sem colocar o nome de Habeas Corpus e o STM tinha essa sensibilidade de atender nossos pedidos de informações”, lembrou o advogado.
“O exercício da advocacia era extremamente respeitado e pleno. Nunca deixei de ser recebido por nenhum ministro para entregar memorial. Eu me sentia mais seguro no STM do que na rua. O acesso aos autos nas auditorias era democrático, eficiente, honesto. Tudo feito na lisura. Nós, todos os advogados, temos a opinião de que o STM e a auditorias foram um marco, uma garantia no período militar em sua fase mais dura”, afirmou.
Técio Lins e Silva defendeu a Justiça Militar da União como parte essencial na manutenção da democracia no país, tanto pelo seu histórico, quanto pelo seu papel atual. “Ela julga uma parcela bastante especializada de agentes públicos de forma célere e justa, guardando os princípios constitucionais da hierarquia e disciplina”, concluiu.
Com informações da Assessoria de Imprensa do STM.
Revista Consultor Jurídico
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