Condenado por homicídio toma banho de sol no lado de fora dos aposentos onde vive, na prisão norueguesa
À disposição dos 120 moradores da ilha norueguesa de Bastoy, há quadra
de tênis, campo de futebol, saunas, câmara de bronzeamento artificial,
sala de cinema, estúdio musical e uma biblioteca. Os quartos são
mobiliados e equipados com TV a cabo. O trabalho na fazenda, na
colheita, na lavanderia, na balsa ou na pesca rende cerca de 57 coroas
norueguesas (ou 20 reais) por dia para cada um. Ao contrário do que se
imagina, no presídio com a menor taxa de reincidência da Europa não há
celas, armas, cassetetes ou câmeras de monitoramento; apenas uma regra:
nada de álcool, drogas e violência.
Bastoy é um dos únicos quatro presídios de baixa-segurança do mundo. Na
ilha, os apenados — que durante as noites têm apenas cinco guardas para
vigiá-los — fazem tudo do que a criminologia moderna os privou. Os
ex-assassinos, ex-ladrões e ex-traficantes trabalham, estudam, se
divertem, se exercitam e tomam sol. Aqui, o prefixo “ex” não é por mera
generosidade, e sim pela baixíssima taxa de reincidência criminal.
Apenas 16% dos que cumpriram pena em Bastoy voltam ao crime; no Brasil, o
índice supera os 70%. O êxito do “corretivo” aplicado na ilha já faz
com que a Noruega pense em expandir o modelo, iniciativa que causa
arrepios nos penalistas mais rígidos e revanchistas.
“Bastoy faz exatamente o oposto dos presídios convencionais, onde os
presos são trancafiados sem qualquer tipo de responsabilidade pessoal,
alimentados e tratados como animais”, diz o diretor da prisão. No cargo
desde 2007, o psicoterapeuta (especializado na escola da Gestalt) Arne
Nilsen já trabalhou em presídios ingleses e passou mais de dez anos no
Ministério da Justiça norueguês antes de mudar-se para a ilha. Para ele,
é preciso olhar as punições com um sentimento menos vingativo e
repressor. “Privar uma pessoa da sua liberdade por um certo período já é
um castigo suficiente em si, sem que seja necessário precarizar as
condições do presídio”, disse Nilsen, ao jornal inglês The Daily Mail.
Ao contrário dos modelos mais rígidos, o sistema penal norueguês não
prevê nem pena de morte nem prisão perpétua, e o tempo máximo que um
cidadão pode passar na cadeia é de 21 anos (no Brasil, são 30). Assim, a
sociedade norueguesa é obrigada a se conformar com o fato de que a
maioria dos prisioneiros, por mais hediondos que tenham sido seus
crimes, vai ser libertada mais dia, menos dia.
Além de exercitar a convivência social dos condenados, as tarefas de
trabalho também ajudam a gerir o modelo de negócios da ilha. “Bastoy é
na verdade a prisão mais barata da Noruega”, defende Nilsen. Com a força
de trabalho dos presos, Bastoy precisa contratar menos funcionários e
ainda assim consegue produzir parte da sua comida e do seu combustível.
Para ajudar a fechar as contas, medidas “sustentáveis” como o uso de
energia solar e restrição da circulação de automóveis diminuem os
custos.
No vídeo abaixo, em noruguês, conheça um pouco mais de Bastoy:
Rotina
Bjorn Andersen é um sociólogo e pesquisador de 52 anos que chegou a
Bastoy após passar três anos em um presídio comum, condenado por
tentativa de homicídio. Casado há mais de duas décadas e pai de cinco
filhos, Andersen agrediu a esposa, após ouvir que ela havia comprado um
apartamento e estava para fazer a mudança. “Eu surtei e a ataquei”, diz
ele, balançando a cabeça.
De segunda a sexta-feira, Andersen é responsável por acordar tomar café e
embalar o seu almoço, antes das 8h30, horário em que entra no trabalho.
Como os presos, ele é liberado às 14h30 e o “jantar” é servido logo em
seguida. A partir daí, todos têm até as 23h para fazer o que bem
entenderem. Andersen aproveita para terminar a dissertação que estava
concluindo antes de ser preso.
A casa acima abriga a biblioteca da ilha; das 15h às 23h presos podem consultar o acervo e fazer outras atividades
Entre os 70 funcionários (35 guardas) que compõem a equipe, Bastoy
oferece aos presos enfermeira, dentista, fisioterapeuta e uma creche
para crianças. Pelo menos uma vez por semana, todos podem receber uma
visita de até três horas. “Encontros íntimos” também são permitidos e
prisioneiros com filhos pequenos podem passar um dia inteiro com suas
namoradas e companheiras.
As restrições ao álcool, às drogas e às condutas violentas são claras e
inflexíveis. Se alguém quebrar as regras, Bastoy conta com duas celas
escondidas e fechadas, com portas de ferro e sem janela especialmente
para os infratores aguardarem a transferência de volta para os presídios
comuns. Segundo um dos presos, já faz mais de dois anos desde que foi
habitada pela última vez, quando um dos condenados foi pego com bebida
no quarto.
Revista Samuel
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